sexta-feira, 22 de novembro de 2024
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    ”Não se deve legislar com sentimento de indignação”, diz presidente da Associação Brasileira do Alumínio

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    As tragédias com as barragens mineiras da Samarco, em Mariana, e da Vale, em Brumadinho — o rompimento ocorrido na cidade da Grande Belo Horizonte completa seis meses nesta quinta-feira —, despertaram na sociedade e no Congresso um sentimento de vingança, que poderá, no longo prazo, inviabilizar a atividade da mineração no país. Essa é a opinião do executivo Milton Rego, presidente da Associação Brasileira do Alumínio (Abal). Segundo o representante da indústria de alumínio, uma série de projetos de lei e alteração da Constituição (PECs), que tramitam em urgência no Congresso, não propõem sugestões para barragens mais seguras, mas, sim, representam, segundo ele, medidas de caráter arrecadatório ou impossíveis de ser cumpridas. Entre as propostas, de acordo com o presidente da entidade, estão a volta da tributação (do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços/ICMS) sobre o mineral exportado e a exigência de um seguro geral contra o rompimento de barragens, medidas que devem extinguir a exploração e produção de diversos minerais.

    Com vários projetos sobre a atividade de mineração tramitando no Congresso, quais são as perspectivas para o setor?

    Não são boas, não. A maior ameaça é o ambiente regulatório. Desde Brumadinho, temos visto a Câmara dos Deputados e o Senado entrando mais no ambiente da discussão do que das soluções. Mas tem sido uma discussão no sentido de punição. Em um ambiente desses, em que se busca uma espécie de revanche, tenta-se achar resposta para as tragédias em Minas Gerais. Alguns argumentos têm significado, outros não têm nem pé nem cabeça. Depois de Brumadinho, uma tragédia que não tem atenuante, é óbvio que é preciso desenvolver leis mais robustas para gestão de resíduos e fiscalização, mas junto com todo debate estão vindo ideias impossíveis de ser cumpridas. Isso é um perigo.

    A que ideias o senhor se refere?

    Desde coisas como reavaliação da Lei Kandir para exportação até o seguro de barragem, algo que não está dentro das normas em nenhum lugar do mundo. A grande preocupação é que nesse afã de dar uma resposta para a sociedade, estão criando, abrindo uma caixa de Pandora, que a gente nunca sabe o que pode ocorrer. Existem mais ou menos 80 projetos de lei sobre o nosso setor. A cada semana aparece um.

    Mas não é natural uma reação dessa no Congresso, depois de catástrofes que geraram destruição e mortes?

    É natural, em parte. Esse sentimento de revanche, de vingança é natural depois de uma tragédia da proporção de Brumadinho, e também logo depois de ter havido uma tragédia ambiental em Mariana. O que não é natural é que exista, dentro de um debate técnico, adulto e racional, esse clima de revanchismo, esse sentimento de vingança por parte dos parlamentares. Considero legítimo o sentimento de indignação da sociedade, mas isso não deve indicar a maneira de se desenvolver uma nova legislação sobre o setor. Não se deve legislar em cima de um sentimento de indignação. Precisamos, basicamente, é tornar mais robusta e mais confiável a questão da gestão de resíduos de uma mineradora, além de uma forma de garantir a segurança das populações que estão nos territórios envolvidos. Então, não se pode deixar que o sentimento de justiça, de vingança dê o norte de uma mudança legislativa. Caso contrário, vamos entrar num ambiente passional da Revolução Francesa, dos jacobinos. A gente não pode ter uma mudança jacobina para legislar sobre mineração no Brasil.

    Essa postura passional do Congresso é uma postura dentro da normalidade do modus operandi do Legislativo brasileiro?

    Não diria isso de todo o Legislativo. Percebo que a bancada de Minas Gerais, especialmente, quer dar uma resposta à sociedade. E essa resposta não pode ser única para toda a mineração do Brasil. Não é razoável. Porque, primeiro, não existe uma mineração só. Existem várias minerações. Quando a gente fala de mineração, vai desde um garimpo até a mineração de bauxita. A mineração de bauxita (minério de alumínio), nós temos confiança de que, do ponto de vista de sustentabilidade, está exatamente no mesmo nível da Austrália, por exemplo, que é um grande produtor mundial e que é um país desenvolvido, com estrutura de segurança, de gestão de barragens e resíduos muito boa.

    Mas por que na Austrália não ocorrem acidentes como os que ocorreram aqui?

    Lá ocorre, sim. Acidentes têm ocorrido com frequência na Austrália e no Canadá, dois grandes países mineradores. Não no tamanho e proporção que vimos em Brumadinho. Há muito tempo não se vê acidente tão grave assim no mundo todo.

    Por um lado, existe a necessidade de aprimoramento da legislação. Por outro, há o risco de impor novos custos ao setor. Qual é a saída?

    Em primeiro lugar, perceber e aceitar o fato de que existem vários tipos de mineração no Brasil. O que você pensa para minério de ferro não pode ser o que você pensa para bauxita.

    O certo seria, então, uma legislação para cada metal?

    Não precisa ser para cada metal, mas para grandes grupos. Por exemplo, é necessário melhorar a segurança de barragens. Só que depois, deve-se começar a discutir imposto adicional sobre lucratividade. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Isso é meramente arrecadatório. O impacto do aumento de custo se dá de forma diferente entre as distintas minerações. Porque você tem minas no Brasil extremamente competitivas, outras nem tanto. Então, o mundo precisa do minério de ferro brasileiro, o mundo não precisa da bauxita brasileira.

    Uma das questões em debate é a volta da tributação do ICMS sobre exportações…

    Sim, a chamada Lei Kandir. Isso geraria impacto de US$ 50 milhões na mineração da bauxita. Esse custo adicional, não só para o setor de alumínio, mas para a mineração como um todo, pode inviabilizar algumas atividades do setor no Brasil. Sem dúvida, a mineração de bauxita, a longo prazo, sim. A mineração de outros minérios não sei, porque na mineração de bauxita a gente não está trabalhando com grande folga. Para a bauxita, a capacidade de absorver o aumento de custos é muito diferente de outras cadeias. O que a questão de ICMS ajuda em termos de segurança? Zero. Ajuda em termos do caixa dos estados, mas que deve ser avaliado dentro de outros parâmetros, não dentro de grandes questões na esteira de Brumadinho. Repito, uma coisa não tem nada a ver com a outra.

    Inviabilizar a mineração de bauxita em longo prazo seria quanto tempo?

    Inviabilizaria todo o investimento daqui para a frente. O negócio é o seguinte. Uma mina é capital intensivo e com investimento de retorno a longo prazo. E ela tem flexibilidade locacional, ou seja, onde tem o minério é que tem a mina. Não é uma fábrica que você pode tirar de um lugar e ir para outro. Só se faz investimento quando a previsão de retorno se mantém. A bauxita brasileira vai deixar de ser competitiva mundialmente. Então, a continuar com isso, investimentos adicionais terminam.

    Qual seria o impacto no setor de mineração da proposta que institui participação especial, em discussão no Congresso, de até 40% da receita líquida das jazidas, como já ocorre no setor de petróleo?

    A conta não foi feita ainda. Mas é tão importante quanto a questão do ICMS. A bauxita brasileira não está nas minas de melhor custo/benefício do mundo. As melhores minas estão na Austrália, na África e na Europa Oriental. Nos últimos cinco anos, foram nesses lugares que os investimentos externos na mineração de bauxita foram feitos. Não foi no Brasil.

    Em seus encontros com parlamentares, essas questões ficaram claras para eles?

    Estou tentando esclarecer. A gente está fazendo o possível para tentar esse entendimento, mas é preciso avançar na questão de segurança, na questão de confiabilidade. E, depois, se a Câmara e o Senado quiserem debater a mineração, vamos debater de modo geral. Mas não na esteira de Brumadinho, contaminados por esse sentimento de revanche.

    Fonte: Diário de Pernambuco

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