A supervisão ministerial do poder normativo da ANM
No dia 27 de fevereiro de 2019, a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério das Minas e Energia (SGM) editou a Portaria nº 40/2019, segundo a qual a Agência Nacional de Mineração (ANM) deve encaminhar todos os atos normativos ao governo central, “de forma que possam ser avaliadas sua adequação, conveniência, oportunidade e pertinência temática, inclusive para fins das devidas correções que se fizeram necessárias pelo Ministério de Minas e Energia, no campo de sua competência” (art. 1º). Ainda segundo a portaria, os atos devem ser enviados à SGM antes mesmo de sua divulgação pública (art. 2º).
A intervenção mencionada traz discussões relevantes sob, pelo menos, três ordens distintas: jurídica, histórica e institucional.
Quanto à sua juridicidade, parece não haver dúvidas de que a Portaria nº 40/2019 viola frontalmente a racionalidade da Lei nº 13.575/2017 e, mais especificamente, seu art. 20, segundo o qual a ANM “atuará como autoridade administrativa independente, a qual ficam asseguradas, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência”.
Não é demais lembrar, aliás, que, até recentemente, o poder regulatório do setor minerário era exercido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Foi apenas após a edição da Medida Provisória nº 791/2017 que o órgão deu lugar à 11ª agência reguladora do Brasil.1 Na prática, validar a portaria é retornar ao status quo existente quando a regulação do setor era feita pelo DNPM: centralizada na Administração Pública direta, sujeita a uma miríade de interferências políticas.
Quanto à história, é impossível não remeter o caso ao parecer da AGU nº 51, que tinha como pano de fundo a possibilidade de supervisão pelo Ministério dos Transportes sobre as decisões da ANTAQ. Nesse contexto, as críticas ao instrumento do “recurso hierárquico impróprio” também se aplicam à Portaria nº 40/2019. O fantasma de novos governos sobre a atuação de agências reguladoras parece ter se tornado uma constante no Brasil, e não pode ser ignorado. Afinal, a história nos mostra que, embora esse tipo de interferência seja possível, os meios para desestruturar uma agência reguladora2 são tendencialmente infinitos – e ainda podem surpreender.
Daí resulta a discussão mais relevante a ser suscitada em relação à Portaria nº 40/2019: o embate institucional. Se, de um lado, a “autonomia não é algo que a lei possa entregar”, é evidente que a Portaria, sob as vestes de suposto controle finalístico e indicativo, (re)estabeleceu verdadeira hierarquia entre a ANM e a Secretaria de Geologia do Ministério. Ao permitir avaliação prévia do mérito dos atos normativos editados pela ANM, extrapolaram-se os limites de uma supervisão ministerial razoavelmente compatível com o regime jurídico das agências reguladoras.
E, do ponto de vista institucional, a lei conferir ou não independência expressa à agência deve ser variável irrelevante. Foi assim, aliás, que o Supremo Tribunal Federal se posicionou no caso dos mandatos dos diretores das agências reguladoras: de acordo com a decisão da ADI 1949, as regras legais sobre determinada agência não podem subverter sua natureza de autarquia especial, o que garantiu, no caso concreto, a impossibilidade de demissão ad nutum de tais dirigentes3.
Independente de tais circunstâncias, fato é que se avançou muito pouco em relação aos desenhos institucionais das agências reguladoras no Brasil. A medida adotada pelo Ministério de Minas e Energia parece ser apenas uma Portaria de entrada para intervenções mais pesadas.
Fonte: JOTA