*Amílcar Soares
Fonte: Público (Portugal)
Para se alcançar um futuro de baixo carbono haverá necessariamente um aumento substancial na procura de matérias primas minerais fundamentais para a fabricação de tecnologias de energias mais limpas. É esta a conclusão do último relatório do Banco Mundial ( “The Growing Role of Minerals and Metals for a Low Carbon Future”). A transição energética implicará um aumento exponencial da procura de matérias primas minerais estratégicas, em relação à produção atual, como Lítio (965%), Cobalto (585%), Grafite (383%), Indium (241%).
A disponibilização destes recursos acarreta problemas que normalmente não são colocados em cima da mesa, porque inexplicavelmente são dados como resolvidos. Daquele relatório sobressai o facto de que não há reservas atualmente conhecidas para satisfazer nenhum dos cenários de transição estabelecidos nos anteriores acordos de Paris. A prata é um caso paradigmático: o México, que é o maior produtor mundial, tem reservas conhecidas para cinco anos. Facilmente se percebe que as reservas minerais disponíveis no planeta são dos fatores mais limitativos da velocidade da transição energética pretendida.
Um outro problema é a localização geográfica dessas reservas. Por exemplo, as Terras Raras, fundamentais para a indústria eletrónica: a China detém 80% da atual produção mundial e produz 95% daqueles produtos tratados. Concretamente, a transição energética desloca o centro de gravidade dos minerais energéticos, o Médio Oriente, para centros de decisão, como a China, com agendas próprias, muito mais fechadas, no que diz respeito à detenção desses recursos Na última lista de matérias primas críticas publicada pela União Europeia em 2017, a China aparece como um dos maiores produtores de 20 das 27 matérias primas classificadas como críticas, aquelas que têm elevado valor acrescentado para a economia, elevado risco de fornecimento e baixa taxa de substituição para a Europa.
O futuro poderá vir a ser mais limpo, mas será seguramente mais incerto. As decisões e os consensos globais sobre os caminhos possíveis da transição energética dificilmente serão tomadas num espaço alargado de incerteza. Por isso é tão importante lutarmos pelo decréscimo de emissões como pela redução da incerteza no conhecimento dos fatores que o determinam. Se não tivermos ideias concretas das reservas minerais existentes no planeta somos sempre confrontados com expectativas que estas são inesgotáveis.
Assim, é importante que os países com potenciais recursos minerais invistam na sua prospeção, aumentando deste modo o conhecimento e reduzindo a incerteza. Sendo certo que as novas descobertas serão tendencialmente em ambientes geológicos mais complexos e a profundidades cada vez maiores, é fundamental o investimento nas novas tecnologias de mineração, com particular relevo para técnicas de prospeção não-invasivas, a automação e as tecnologias “digital mining” e “smart mining”, que reduzem o consumo de energia e minimizam os riscos tecnológicos e ambientais. É neste contexto, de desenvolvimento sustentável da indústria mineira, que foi recentemente criado pelo Banco Mundial um grande fundo fiduciário para financiar o programa “Climate-Smart Mining for Energy Transition”.
Mantendo os atuais padrões de consumo de energia e o paradigma de crescimento continuado das economias, não há soluções únicas e limpas para a transição energética. Reproduzo uma frase feliz da atual secretária de Estado do Ambiente: “A única energia verdadeiramente limpa é a que não consumimos”. Resta-nos contribuir, com o conhecimento, para que as expetativas e as soluções dos diferentes decisores do planeta não tenham uma dispersão tal que inviabilize qualquer consenso.
*Amílcar Soares é Professor catedrático do Instituto Superior Técnico
Fonte: Público (Portugal)