Ourolândia, a 416 quilômetros de Salvador é uma exceção. O município baiano, com pouco mais de 20 mil habitantes, é um dos poucos no estado que não tem o poder público como principal fonte de renda para a população. É a terra do mármore Bege Bahia. Da rocha famosa no universo da arquitetura e decoração em todo o mundo, dependem aproximadamente 60 empresas e vivem diretamente cerca de mil trabalhadores. Isso tudo porque o caso do Bege Bahia também é uma exceção. Dentre as mais de mil rochas ornamentais catalogadas no estado, esta é a única que, além de ser extraída da natureza aqui é também beneficiada e processada antes de ser vendida.
A Bahia é a principal produtora de mármores e granitos do Brasil. Dados do setor apontam que mais da metade do que o país exporta sai daqui do estado. O problema é que a participação do estado no beneficiamento e processamento da produção é muito baixa. Quase tudo o que se tira da natureza é levado para o Espírito Santo, onde o processamento industrial amplifica o valor de mercado, além de gerar emprego e renda, antes de ser exportado, ou voltar para cá em um outro padrão de preço. Representantes do setor explicam que o principal gargalo para a ampliação da atividade por aqui está na ausência de infraestrutura para o escoamento da produção.
Os casos do quartzolito maciço e do mont blanc mostram o quanto a Bahia deixa de ganhar ao enviar para fora os blocos de rochas sem antes agregar valor aos produtos. A estimativa no mercado é que um bloco de mont blanc, produzido em Paramirim, seja vendido por aproximadamente R$ 70 mil. Quando volta, em forma de placas polidas, o valor da mesma quantidade do produto é de cerca de R$ 250 mil. No caso do quartzolito, considerada a rocha do futuro, o valor inicial é de US$ 2 mil por um bloco, podendo chegar aos US$ 10 mil, depois de trabalhada.
“A exceção do mármore bege Bahia, que tem um polo de beneficiamento em Ourolândia, onde se extrai e se e beneficia, as rochas saem praticamente sem nenhum tipo de processamento daqui da Bahia”, diz o empresário Reinaldo Sampaio, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Rochas Ornamentais. Segundo ele, 90% da estrutura para o beneficiamento da produção está no Espírito Santo. “Lá se criou um ambiente especializado. Mas a Bahia, se tiver uma logística adequada será a maior base de extração, beneficiamento e exportação de rochas ornamentais do Brasil”, avalia.
Reinaldo Sampaio destaca que o setor está entre os que mais geram divisas para o país na exportação. “São aproximadamente US$ 1,2 bilhão por ano em exportações e, por outro lado, não importa quase nada. Tem um superavit de balança comercial muito grande”, compara Sampaio.
As rochas ornamentais são o quinto bem mineral mais exportado pelo Brasil. “A indústria brasileira é a principal fornecedora de produtos beneficiados, não é matéria-prima, para a economia dos Estados Unidos. Isso dá a dimensão da importância relativa, da competitividade e da capacidade de crescimento que este setor tem”, ressalta.
Ele destaca que a Bahia tem uma geologia extremamente favorável, “rica e diversificada”, para a atividade. “A Bahia hoje é a base territorial que oferta cerca de 60% dos novos materiais que são apresentados nas feiras internacionais”, diz.
A compreensão desta situação passa por alguns fatores, ressalta. Para começar, ele lembra que o Espírito Santo tem uma comunidade italiana muito forte e o país europeu era líder neste mercado há algumas décadas. Mas segundo ele, a principal dificuldade para a indústria de rochas ornamentais baiana assumir um papel de maior destaque passa pelas dificuldades em relação à logística de escoamento.
“O Espírito Santo foi, ao longo de muito anos, o corredor de exportação do minério de ferro de Minas Gerais e foi dotado de estrutura ferroviário e portos, que hoje já não atendem mais o setor, mas fizeram a diferença lá atrás”, explica.
Reinaldo Sampaio acredita que o cenário pode se modificar com o início das operações da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e o Porto Sul. “Se esses projetos vierem a se tornar realidade, cria-se na Bahia uma alternativa logística moderna, capaz de influenciar toda a área produtora de rochas ornamentais no Brasil”, diz.
Além do Sudoeste da Bahia, são importantes regiões produtoras o Norte de Minas e o Noroeste e Norte do Espírito Santo. “Neste raio de 300 Km, se produz 90% das rochas ornamentais brasileiras. Com uma ferrovia moderna, um porto de águas profundas e ainda uma zona de processamento especial (ZPE), com menor oneração tributária, a Bahia cria uma capacidade logística capaz de atrair uma base industrial para beneficiar a produção do estado”, avalia.
“A Bahia tem uma diversidade geológica extraordinária e é considerada a grande fronteira geológica de rochas ornamentais do Brasil, com destaque mundial”, afirma Reinaldo Sampaio. “A Bahia é um estado do tamanho da França e a geologia é muito favorável porque o subsolo é formado por rochas vulcânicas de grande dureza e complexidade físico-química e mecânica, além de grande diversidade estética, que é fundamental também para os revestimentos”, explica.
Reinaldo Sampaio destaca que a Bahia oferece ao mercado internacional uma rocha que está sendo chamada de a rocha do futuro. São os quartzitos maciços, duros que o granito e translúcido como o mármore. “É extraordinário como elemento de revestimento e é muito caro”, destaca. Segundo Sampaio, 70% do que o Brasil exporta destas rochas é extraído da Bahia.
História diferente
O empresário Gian Marco Biglia, diretor de mineração do Sindicato das Indústrias de Mármores, Granitos e Similares do Estado da Bahia (Simagram) viu de perto o desenvolvimento do Bege Bahia, o pai dele, Giancarlos, teve papel de destaque na história. “Entre os anos 50 e 60, meu pai buscava um material neutro e caiu na estrada a procurar”, lembra. Na região de Juazeiro e Campo Formoso, encontrou o povoado de Ouro Branco, atual Ourolândia. Encontrou a rocha com uma coloração única.
“O que aconteceu foi que o empresariado de Ourolândia foi investindo na produção, as empresas foram se especializando e aquilo foi se transformando em uma iniciativa que impacta a vida de toda a comunidade”, diz.
Além das pessoas empregadas diretamente na mineração, a produção do Bege Bahia movimenta o comércio local, destaca Biglia. “Existe um movimento forte no varejo, mas também no setor de transportes, porque a produção precisa ser escoada e isso acontece por caminhões. A cidade vive do Bege Bahia”.
Semiárido pode ganhar com rochas
A indústria de rochas ornamentais pode funcionar como uma ferramenta para o desenvolvimento social no semiárido baiano, avalia o presidente do Sindicato das Indústrias de Mármores, Granitos e Similares do Estado da Bahia (Simagram), Carlos Alberto Lopes Araújo.
“Nosso estado tem uma grande disponibilidade de matéria-prima. Faltam apenas políticas públicas e a logística para que possamos gerar um grande número de empregos. Tudo o que nós precisamos é transformar os blocos de pedra que nós extraímos em chapas polidas aqui”, avalia Araújo.
Segundo ele, a deficiência no beneficiamento da produção é tão grande que no passado, o granito Azul Bahia, que leva o nome do estado dada a presença do mineral em solo baiano, chegou a ser comprado pelos baianos da Itália. “Agora está mais perto, compramos o produto final do Espírito Santo, mas ainda não somos capazes de produzir aqui”, lamenta o dirigente sindical.
“Algumas das nossas principais rochas estão localizadas em regiões marcadas por bolsões de pobreza, onde as rochas são a principal possibilidade de gerar riquezas”, avalia.
Em Saúde, a 378 quilômetros de Salvador, o projeto Orquídea Negra ajuda a população local a entender a importância das riquezas do subsolo há 15 anos. Segundo Pedro Guilherme Moreira de Araújo, coordenador-geral do projeto, o objetivo das ações é contribuir com a exploração sustentável das riquezas minerais. Ao contrário do que acontece com os projetos regulares de mineração, a região enfrenta problemas com a produção irregular. “Quando você tem uma atividade regulamentada, existe todo um cuidado com o meio ambiente. A exploração legal prevê compensações ambientais, o que não acontece com as atividades clandestinas”, diz.
Através do artesanato com rochas como quartzos, ametistas, calcitas e turmalinas, Pedro Guilherme diz que a população local aprende sobre o potencial que o uso dos recursos do subsolo pode trazer para a região.
Fórum vai discutir estratégias para o setor mineral
Fórum vai discutir a atração de investimentos para a Bahia As estratégias para atrair investimentos para a mineração baiana serão discutidas no próximo dia 14 de agosto, com representantes da atividade no estado. Empresas, representantes do poder público, iniciativa privada e da academia participam do I Fórum Internacional de Inovação e Sustentabilidade na Mineração. O evento, que acontece na sede da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), das 8h às 17h20, é promovido pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) e tem o apoio do CORREIO. Alexandre Vidigal, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME) é uma das presenças confirmadas. A secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia, Adélia Pinheiro, o presidente da CBPM, Antonio Carlos Tramm, e Paulo Misk, presidente da Vanádio de Maracás, estão entre as presenças confirmadas. “A mineração será sacudida nesse evento, que vai tratar de inovação e sustentabilidade. Vamos mostrar que a tecnologia empregada para diminuir o impacto ambiental, a reutilização do resíduo, possibilita uma economia circular ‘360 graus’, gerando mais empregos”, afirma Antonio Carlos Tramm.
Paulo Guimarães Misk
Presidente – Vanádio de Maracás S.A.
Formado em Engenharia de Minas na UFMG, Paulo traz 33 anos de experiência na área de mineração, atuando com sucesso na MBR-Minerações Brasileiras Reunidas, CIF (AMG Group), Magnesita e Anglo American. Além de comandar a Vanádio de Maracás, é Presidente do Sindimiba (associação das mineradoras da Bahia).
Fonte: Correio*