São Paulo — A indústria brasileira de mineração tem vivido algo semelhante ao que os astrólogos chamam de inferno astral. Aumento dos custos da energia elétrica, queda na cotação internacional dos principais minérios e rompimento de barragens — como a da Samarco, em Mariana, e a da Vale, em Brumadinho — foram algumas das maiores dificuldades do setor.
A mais recente ameaça é a proposta de retorno da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações de bauxita, a matéria-prima para a produção do alumínio. Segundo Milton Rego, presidente executivo da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), se os Projetos de Emenda à Constituição (PEC) 42/2019 e 201/2019, do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) e do deputado federal Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), respectivamente, que trazem de volta a cobrança do tributo estadual, forem aprovados, a indústria do alumínio corre o risco de entrar em colapso. “A volta dos impostos não resolverá as dificuldades financeiras dos estados, que estão em busca de novas fontes de receita, e causarão fechamento de empresas, queda de arrecadação e aumento do desemprego”, diz o executivo.
Atualmente, os estados que mais produzem bauxita e arrecadam com os royalties do minério são Pará, Maranhão, Goiás e Minas Gerais. Em 2018, do total de 8 milhões de toneladas produzidas, 6 milhões foram exportadas, principalmente para a Europa e Ásia. Pelos cálculos da Abal, a aprovação da PEC traria um impacto de US$ 440 milhões no custo das operações da lavra da bauxita e de sua transformação em alumina, o principal produto na pauta de exportações da cadeia produtiva do alumínio.
“Cobrar ICMS sobre as exportações nos colocaria na contramão das economias mais desenvolvidas, além de minar a nossa competitividade no comércio internacional”, acrescenta Rego. Anastasia e Abi-Ackel não retornaram os pedidos de entrevista.
Para o economista Rodrigo Paro Alves, especialista em comércio internacional pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a volta do imposto estadual sobre as exportações vai afugentar empresas e reduzir a importância do setor de mineração do PIB nacional. “É um contrassenso propor aumento de impostos sobre uma atividade que já passou por queda da rentabilidade e dos investimentos”, diz ele. “Qualquer medida nesse sentido será extremamente prejudicial a todo o mercado e deve gerar mais insegurança nas empresas que planejam seus investimentos para longuíssimo prazo”.
A volta da cobrança do ICMS sobre as exportações com a revogação da Lei Kandir — que, nos anos 1990, isentou desse imposto produtos primários e semielaborados vendidos ao mercado externo — surgiu durante as discussões iniciais da reforma tributária e ganhou força depois dos desastres de Mariana e de Brumadinho, em Minas Gerais.
A medida surgiu como uma forma de punir mineradoras pelos acidentes. “A questão é que as cadeias mineradoras são diferentes entre si. A do ferro, por exemplo, dado o seu gigantismo e volume de produção, teria como absorver a cobrança do tributo. Mas não é o caso de outras cadeias produtivas, entre elas a do alumínio”, explica Rego. “O problema da PEC do senador Anastasia e da do deputado Abi-Ackel é tomar a árvore pela floresta”.
Há também a questão fiscal dos estados. A maioria deles, com o caixa em frangalhos, viu no fim da Lei Kandir a oportunidade de fazer dinheiro e aliviar o deficit. O ICMS é a maior fonte de arrecadação estadual e o imposto de maior peso no bolo fiscal nacional, respondendo por 20% de toda a arrecadação.
“Tão nocivo quanto a energia cara”
Nos últimos anos, governos, entidades setoriais e empresários do setor de alumínio buscam alternativas para reduzir os estragos causados pelo alto custo da energia elétrica para a indústria. Sem resposta, uma das maiores empresas do setor no mundo, a Alcoa, se viu abrigada a fechar as portas das unidades em Poços de Caldas (MG) e São Luís (MA), reduzindo a produção aos menores patamares da história. No entanto, para o presidente da Abal, Milton Rego, uma eventual volta do ICMS sobre as exportações da bauxita terá nível semelhante de destruição. “O ICMS seria tão nocivo quanto a energia cara”, garante.
O alto custo da eletricidade no Brasil e as incertezas sobre a capacidade de geração são, de fato, um freio para a economia. Segundo Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), é difícil quantificar com exatidão o impacto dessa combinação sobre o PIB, mas ele certamente é significativo, principalmente na indústria.
O nível de chuvas abaixo da média, que reduziu reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, faz os preços da energia elétrica no mercado de curto prazo oscilarem, mas com viés de alta. Parte da explicação é que, sem chuvas, é preciso acionar usinas termelétricas, que têm custos maiores de operação.
Estudo da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) mostra que a tarifa média da eletricidade no Brasil é uma das mais caras do mundo. O custo da energia é 127,3% maior que o praticado nos Estados Unidos, 94,9% superior ao do Canadá e 9% mais caro que na Alemanha.
Fonte: Correio Braziliense