Terceirizados ganham no mínimo 27% a menos do que demais trabalhadores
Salários baixos, ausência de benefícios, jornadas exaustivas e maior propensão a acidentes de trabalho. Essas são situações comuns para um trabalhador terceirizado no Brasil. No caso da mineração, os precarizados são maioria: cerca de 80% das 1 milhão de pessoas que trabalham no setor não são contratadas diretamente. Para falar sobre o cenário do trabalhador brasileiro frente à terceirização, conversamos com Marta de Freitas, coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador.
Brasil de Fato: Qual o panorama da terceirização no setor mineral?
Marta de Freitas: Nós não temos dados concretos sobre quem são os trabalhadores do setor mineral no Brasil, que vai desde a extração de areia até a exploração de minério de ferro. Se a gente pegar o mercado dos trabalhadores formais, de acordo com o Plano Nacional de Mineração, feito pelo Ministério de Minas e Energia, existem um milhão e cem mil de pessoas trabalhando na mineração no Brasil, desse total apenas 200 mil são contratados diretos da mineração. O restante são funcionários como vigilantes, técnicos, trabalhadores do transporte, logística, etc. O caso que melhor ilustra esse dado é o [da barragem] de Fundão, em Mariana (MG), em que dos 14 trabalhadores que morreram no rompimento, 13 eram terceirizados. Em algumas minas, o número de terceirizados chega a 80%. Após a reforma trabalhista esses índices tendem a se agravar, e muito.
Dados da Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais apontam que o setor da mineração é o que mais mata trabalhadores no Brasil. A terceirização influencia na acidentalidade do setor?
Quando a gente calcula o índice de acidentes em local de trabalho, a mineração é o setor que mais mata no Brasil. Isso levando em conta apenas o percentual de trabalhadores que são registrados como trabalhadores do setor mineral, que é aquela parcela de 200 mil. Os dados mostram que o coeficiente de gravidade de acidente de trabalho na mineração é 3 vezes maior do que a média nacional em todas as áreas de trabalho. Além disso, 25% dos registros doenças ocupacionais identificadas pela Previdência Social são com trabalhadores da mineração. Lembrando que o trabalhador terceirizado não entra nesses dados, porque quando ele sofre algum tipo de acidente e/ou doença, o registro é contabilizado como acidentes da área da construção, do transporte, logística, etc. Estamos falando apenas daqueles trabalhadores diretamente ligados à extração. Ou seja, mesmo com a imensa subnotificação dos dados, a mineração é o setor que mais mata e adoece no Brasil. A situação fica mais grave ainda quando se leva em conta que apenas 4% dos acidentes de trabalho que acontecem no país são, de fato, notificados. Na mineração é um absurdo! Cai uma pedra de 40 toneladas em cima do trabalhador e no registro eles afirmam que ele morreu a caminho do hospital. Isso é uma manobra criminosa comum entre as empresas para não parar a produção. É alarmante quando a gente imagina o que deve acontecer com esses 900 mil trabalhadores terceirizados na mineração.
Essa pulverização dos trabalhadores em diversas empresas terceirizadas dificulta a fiscalização da condição de saúde e segurança dos trabalhadores?
Temos uma das legislações mais avançadas e rigorosas do mundo, a NR 22, que é a norma de segurança na mineração, mas que infelizmente nunca foi seguida. Quando a gente vai nas empresas eles falam que há uma norma muito mais avançada, com padrões de segurança internacionais. Córrego do Feijão é uma expressão do que é usar padrão internacional de segurança: mata-se quase 300 pessoas. O Brasil tem uma norma fantástica que as empresas não seguem e os trabalhadores desconhecem. E aí entra uma outra coisa que é o desmantelamento do Ministério do Trabalho, que vem acontecendo há anos e foi concretizado agora com a extinção da pasta. Com escassez de profissionais e falta de recursos, fica impossível fazer a fiscalização. Isso é o que a gente chama de corrupção passiva, porque há uma lei boa, mas que não provê condições de fiscalização. Além disso, o poderio econômico e político que as empresas de mineração têm nas cidades onde estão instaladas as tornam verdadeiros monstros que mandam e ditam regras, inclusive se dando o direito de não cumprir normas de segurança para os seus trabalhadores.
Para o trabalhador, qual a diferença entre ser terceirizado ou contratado direto da empresa?
Para começar, a questão salarial é muito pior. Além do salário menor, os terceirizados também não têm os mesmos benefícios que os trabalhadores da empresa-mãe, como vale alimentação, auxílio médico, fundo de pensão, etc. Por causa dos salários muito baixos, os terceirizados geralmente acabam dobrando suas jornadas de trabalho, então ele tem um excesso de horas-extra, e geralmente trabalha mais de 48 horas semanais. Ou seja, ele perde o convívio familiar, perde o lazer e em muitos casos perde até mesmo as férias. O que acontece geralmente é que empresa-mãe faz um contrato com a empresa terceirizada “A”, aí quando acaba o contrato o trabalhador terceirizado vai para a empresa “B”, depois “C”, e fica nesse ciclo de ser contratado e demitido constantemente. Com isso, ele perde seu direito de férias e fica anos sem descanso. Esse trabalhador também não é visto como pertencente àquela empresa, então ele é humilhado e discriminado pelos empregados da empresa-mãe, o que agrava também a situação de sofrimento mental dos terceirizados.
Além disso, como os terceirizados ganham em média 27% a menos que os demais trabalhadores, ele contribui com 27% menos para a Previdência. Há um desfalque na previdência que é provocado pelas empresas terceirizadas. E um outro rombo causado pela terceirização, na assistência social dos trabalhadores, já que na maioria das vezes as empresas terceirizadas são criadas apenas para atender um único contrato, uma única demanda, então elas começam e findam por demanda e interesse da própria empresa mãe, sonegando o INSS, fundo de garantia e outros direitos previdenciários dos trabalhadores. A terceirização nasceu com o propósito de suprir demandas que a empresa não tinha qualificação para executar, hoje ela existe apenas com a finalidade de diminuir os custos da empresa-mãe.
Fonte: Brasil de Fato