terça-feira, 5 de novembro de 2024
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    ‘Ninguém quer morar embaixo de barragem’, diz ex-diretor da Vale

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    Para economista, empresa precisa se concentrar em minério de ferro e vender ativos; mineradora também precisa investir para recuperar imagem

    O economista José Carlos Martins foi diretor de Ferrosos da Vale num período em que a empresa se notabilizou por uma meteórica expansão dos negócios. Sob a presidência de Roger Agnelli, a mineradora, que já era grande, se agigantou de forma impressionante. Agnelli estava determinado a transformar a companhia na maior mineradora do mundo e, com este propósito, iniciou um agressivo programa de compras que quase eliminou a concorrência no País.

    E seguiu comprando empresas no exterior. Agora, para Martins, está na hora de a Vale inverter a mão e vender ativos. “A Vale deveria se concentrar só em minério de ferro e vender todo o resto. Esse resto nunca deu dinheiro. Cobre, níquel, fertilizante, alumínio, carvão… E concentrar onde dá dinheiro e onde ela tem o maior desafio. Investir para recuperar a credibilidade e a imagem”, afirmou Martins, hoje consultor da Neelix Consulting Metals&Mining, em entrevista ao Broadcast. A seguir, os principais trechos da entrevista:

    Além do baque na imagem, a Vale enfrenta hoje a questão de bloqueio de recursos.

    Esse é um problema menor. A Vale perdeu volume de produção, mas a subida de preço do minério praticamente compensou. A empresa não tem problema econômico, tem problema forte de imagem porque está com muita dificuldade para operar em Minas Gerais. A Vale vai ter que sair dessa como uma empresa muito mais cidadã e muito mais sustentável do que era. Isso vai custar dinheiro, não sai de graça. E é uma situação que os concorrentes dela não estão enfrentando. Então é um ônus que ela vai pagar e os acionistas da Vale vão ter de pagar.

    A época de grande distribuição de dividendos aos acionistas acabou? A realidade passa a ser outra?

    Acho que não. A Vale tem muitas alternativas para melhorar o resultado. Mas uma coisa é certa: precisa ter uma remuneração maior que os concorrentes para compensar os custos dessa sustentabilidade e dessa cidadania. Isso, no fundo, é dinheiro. Vai ter que dar mais dinheiro para a prefeitura, investir mais em tecnologia. Então, gastará mais dinheiro que os concorrentes. Mas a Vale tem condição de dar um retorno superior ao dos concorrentes. Tem ativos bons para isso. Vai ser um trabalho grande, não vai ser do dia para a noite. Tem solução. A questão é que vai ser demorado.

    Quanto? Cinco, dez anos?

    Eu diria entre três e cinco anos. Porque se tem hoje um volume muito grande que é processado por barragens. Se não opera as barragens, esse volume todo cai fora. Até implantar um novo método, desenvolver uma nova tecnologia, isso demanda tempo, não só dinheiro. A Vale vai ter que resgatar a confiança…

    O que é difícil, com tantas vítimas. A imagem da empresa fica muito abalada.

    Não só a imagem da empresa, mas a imagem da barragem. Ninguém quer morar embaixo de uma barragem.

    A Vale vai ter de diminuir para voltar a crescer? Vai precisar se desfazer de ativos?

    Na minha opinião, sim. A Vale deveria se concentrar só em minério de ferro e vender todo o resto. Esse resto nunca deu dinheiro. Cobre, níquel, fertilizante, alumínio, carvão… E concentrar onde dá dinheiro e onde ela tem o maior desafio. Investir para recuperar a credibilidade e a imagem. Não é uma tarefa para dois dias. Vai demorar. Não vejo nada mais cedo do que três anos. Mas, tem condição de fazer. Se fizer a coisa certa, vai chegar lá. A empresa é muito rica, tem muitas jazidas, principalmente no Norte. É a maior produtora de minério de ferro do mundo, apesar de agora, com essa queda de produção, talvez perca essa liderança. Mas tem muitos ativos de qualidade, principalmente no Brasil.

    Para o senhor o caminho é reduzir a diversificação?

    Acho que uma combinação de, primeiro, investir em tecnologia e no relacionamento com a região de Minas. Essa batalha da Vale passa por lá. A outra parte é essa questão de focar mais no negócio, sair fora dessa diversificação que nunca deu resultado. Esse é o fato. E usar esses recursos para recuperar não só a confiança nas barragens ou em qualquer outro método que venha a utilizar para produzir minério, mas também vai ter que gastar muito dinheiro. Essas prefeituras estão quebradas. E muitas minas estão paradas por decisão do próprio município. Tem Ministério Público, tem Justiça Federal, estadual, tem os políticos, é muita fonte de pressão. Tem que ser administrada. Mas, nada é impossível. A empresa é muito grande, muito sólida, e se fizer direito as coisas vai chegar lá.

    Não é intransponível. Mas, durante um período vai ter de conviver com uma rentabilidade menor que os concorrentes. BHP e Rio Tinto, por exemplo, não perderam volume, estão até aumentando, e estão ganhando preço. E o custo não aumentou. A concorrência está numa posição extremamente favorável e já está aproveitando isso. Não é uma posição confortável a da Vale. Dá para sair dessa. Mas os concorrentes estão sem amarra nenhuma.

    Fonte: Terra

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