Nas expedições feitas pelo restautador e artista plático Eduardo Campos ao parque arqueológico do Gogô, ele descobriu uma relíquia abandonada e pouco retratada nos livros de história e que agora poderá ser visitada no museu
Inaugurado no Dia de Minas (16.JUL), o acervo do Museu Minas Gogô é composto de 201 peças que contam a história dos escravos que viveram na região
As impressões digitais deixadas nas telhas construídas por alguém que veio do outro lado do oceano para morar na primeira cidade de Minas Gerais, no período colonial, mostram uma identidade pouco revelada e que agora poderá ser visitada no Museu Minas Gogô, em Mariana, Região Central de Minas, que foi inaugurado nesta última sexta-feira (16.JUL.2021), às 19h.
O museu de ofícios e artefatos do cotidiano das pessoas, a maioria escravizadas, que viveram no Morro Santana, no século 17, foi criado a partir da união de moradores da cidade que decidiram contar uma outra história e apresentá-la ao público no dia em que é comemorada a chegada dos bandeirantes na região: Dia de Minas, celebrado em 16 de julho.
Segundo o criador do museu, o artista plástico e professor Eduardo Campos, o acervo é composto de 201 peças que foram doadas por amigos e moradores da região durante cinco anos. Ele explica que ao juntá-las foi percebida uma riqueza histórica pouco retratada.
“Com o auxílio de um historiador, decidimos contar parte do outro lado da história e apresentar esse povo que viveu e contribuiu com a força do trabalho e dos costumes para a construção de Minas Gerais e do país. Já vimos muito nos livros a celebração de reis, militares e políticos. Agora, queremos ver e contar outras histórias”.
Campos conta que o visitante poderá ver artefatos da mineração, como ferramentas que os escravizados usaram para extrair o ouro, também tem uma coleção de cachimbos, colheres, utensílios de cozinha, materiais usados nas construções de casas e frascos usados para colocar remédios para combater o resfriado, provocado pelo frio que sentiam à noite.
O historiador Leandro Santos conta que os artefatos foram encontrados em quintais e hortas de vizinhos e pessoas amigas de Eduardo Campos, que o presentearam com essas peças, algumas relíquias de família e outras encontradas na região conhecida como parque arqueológico do Gogô, localizado nos morros de Santo Antônio e Santana, onde viveram mais de 20 mil escravos que se trabalhavam na exploração do ouro nos séculos 18 e 19, segundo dados da Cúria de Mariana.
“Há uma cidade perdida em Mariana, com dezenas de ruínas, algumas pequenas, outras gigantes, que apontam o começo da civilização em Minas Gerais. Foi feita por Eduardo uma réplica do parque arqueológico que também poderá ser vista no museu”.
O artista plástico e restaurador afirma que quis manter a originalidade das peças encontradas e, por isso, foi feita apenas uma limpeza com uso de pincéis para não retirar o que o tempo agregou no passar dos anos de esquecimento.
“Nesses mais de 300 anos, queremos dizer que falta ainda um olhar para essa região de riquíssimo contexto histórico e cultural, com segredos do nosso passsado ainda não descobertos e que merecem ser preservados e comemorados também nos dias de Minas”.
As visitas ao museu serão gratuitas e abertas ao público a partir de sábado (17/07). A inauguração, que será de forma virtual por meio de uma live, às 19h, fará um city tour explicativo dentro do museu com a presença do historiador e do idealizador.
Conheça algumas peças
Cachimbo com anjo revela sincretismo religioso
O museu expõe cerca de 30 cachimbos que eram usados de acordo com costumes dos povos africanos, muitas vezes em rituais ou recreação. Os cachimbos e seu uso foram trazidos pelos escravos.
Porém um único cachimbo revela o sincretismo religioso, mistura a figura de um anjo a um objeto que podia ser usado para rituais de religiões de matriz africana. Foram encontrados nas imediações do parque do Gogô.
Brunidores: tecnologia da mineração
Eles eram utilizados para triturar as pedras retiradas das minas para minerar. É a primeira tecnologia da mineração de moagem, de forma rudimentar, onde ao esfregar uma pedra na outra ela liberava o minério para ser garimpado, e daí separava-se o ouro que seria comercializado.
Pregos e cravos
Revela a necessidade de fundição, todos os pregos e cravos foram feitos um a um, de forma artesanal pelos escravizados. Uma ou mais oficinas de fundição funcionava, não só para fundir o ouro, mas para fazer o ferro, que vinha de Portugal em barras, e aqui, nas mãos dos fundidores, viravam ferrolhos, correntes, pregos. No Parque do Gogô existem partes de cadinho e há ruínas de uma fundição.