“A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes…”
Guimarães Rosa
Uma situação que sempre me intrigou na minha atuação como consultora de Desenvolvimento Humano nas organizações foi a questão da inveja. Muitas vezes, em trabalho com o tema Relações Interpessoais, era tão claro para mim que um gestor estava sentindo-a mas não a nomeava por achar vergonhoso e indigno ou por nem identificá-la.
As emoções e sentimentos são ou foram por muito tempo tabu dentro das organizações. Lembram da expressão “deixe suas emoções do lado de fora?”. A inveja, na minha experiência, é o sentimento que mais permanece interditado nas organizações.
Certa vez participei de uma vivência de psicodrama conduzida por uma colega psicodramatista, Mariza Leão, sobre o tema. Ela iniciou perguntando: A inveja existe? Ao que todos responderam: Sim! À segunda pergunta: Você tem inveja? Não! Foi quase unanimidade.
Como pode ser isto? Se as pessoas consideram que existe, quem é então que tem inveja, se estas mesmas pessoas dizem que não a têm? Seria ingênuo achar que só os outros, eu não.
Assim também acontece com outros sentimentos. O medo, quando assumido, é chamado de receio; a raiva é insatisfação; a tristeza é desconforto. Impera a alegria, esta sim reconhecida e expressa.
“É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe (…)” disseram Vinicius e Baden Powell em Samba da Benção. Entretanto eles continuam: “Mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza (…)”
Por que percebemos e assumimos que sentimos alegria mas não admitimos a inveja, o medo, a raiva e queremos transformar a tristeza logo em alegria, quando ela aparece?
Todos eles são sentimentos que habitam em nós, porém são considerados inadequados ou mesmo abomináveis. E como tal, não devo tê-los. Por esta razão, nem percebo que os tenho e se percebo, os nego. É o que acontece.
No entanto, a compreensão e a aceitação dos sentimentos é essencial para saber lidar com eles. A negação nos leva ao que bem disse Fagner na canção Revelação: “Quando a gente tenta de toda maneira dele se guardar, sentimento ilhado, morto, amordaçado, volta a incomodar”
O medo, eufemisticamente, chamado de receio, é imprescindível na vida. Ele nos afasta dos perigos e nos dá um sentido de bom senso. Só não pode ser paralisante, pois nos impediria de criar recursos para vencê-lo. Ele está intimamente ligado à raiva por mais estranha que esta afirmação possa parecer. O sábio personagem Riobaldo, de Guimarães Rosa, expressa isto quando diz: “Para não se ter medo? Ah, para não se ter medo é que se vai à raiva. Raiva tampa o espaço do medo, assim como do medo a raiva vem”
O medo quando não identificado e negado, muitas vezes, transveste-se de raiva ou pior, de seu superlativo, o ódio. Este tão explícito e presente na sociedade hoje esconde um medo muito grande, especialmente, de perda de poder. E é incrível como certas pessoas precisam destruir outras para que reconheçam o poder que elas não percebem em si, não têm certeza dele ou precisam mostrar que o têm.
O escritor Ruy de Castro escreveu em um artigo, uma frase impactante “Ninguém mais tolera ninguém, ninguém admite um pensamento contrário.”
Sim, o ser humano tem também grande necessidade de igualização; a intolerância e também a inveja residem na rejeição da diversidade.
Uma forma saudável de lidar com a inveja é transformá-la em admiração e desenvolver competências para atingir o que se inveja nas pessoas, reconhecendo os limites individuais e valorizando a diversificação.
Em um curso nos anos 90, o consultor Antonio Roberto Soares didaticamente, ensinou: o pai da inveja é o desejo e a mãe, a comparação. Quando fracassamos no desejo surge a inveja e sem a comparação, não há inveja. No entanto, quando há comparação, o mal estar, a frustração, a tristeza e até a raiva surgem para preencher o vazio. A pessoa começa a se aumentar para igualar-se ao outro ou a diminuir este outro. É inevitável. Como lidar com isso? Eu me comparar comigo mesmo porque devo sempre comparar “coisas” iguais. A autocomparação é o ideal, ou seja, eu ser o padrão de comparação de mim mesmo. “Na autocomparação eu invisto no meu possível e não no possível do outro” completou.
Reforço ressaltando a importância do autoconhecimento. É necessário que saibamos quais sentimentos estamos tendo nas diversas situações da vida, percebê-los, reconhecê-los, assumi-los e aceitá-los. Não reprimi-los mas ter controle sobre eles, usando e desenvolvendo a inteligência emocional. O que temos de reprimir é a ação intempestiva, descontrolada e inadequada.
Sanidade psicológica é proporcional à consciência dos sentimentos e à sabedoria de lidar com eles, o que torna as pessoas mais afetivas, generosas e solidárias.
Concluo voltando a Guimarães Rosa em outra fala de Riobaldo: “Só se pode viver perto do outro e conhecer outra pessoa sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”
*Thelma é psicóloga e psicodramatista. Especialista em Administração de Empresas, articulista e autora do livro “Psicodrama Empresarial”.
Fonte: DASEIN