Estimulada pelas mãos do homem, a natureza não nos cansa de surpreender. A lama que avançou pelas margens de rios e atingiu cursos d’água após o rompimento da barragem de Fundação, em Mariana, na região Central do Estado, trouxe grande impacto. Mas estimulado por técnicas apropriadas, o meio ambiente é capaz de reagir.
O trabalho proposto pela Fundação Renova, criada para coordenar as ações de reparação do desastre, decidiu, em parte dos casos, por não retirar o rejeito por completo das áreas atingidas, mas propiciar que elas se reconstituíssem naturalmente.
As primeiras ações envolveram uma preocupação em evitar a erosão para reduzir o volume dos rejeitos levados para o rio. Depois, estimulou-se a renaturalização, tecnologia que posiciona elementos naturais, como troncos, raízes e galhos, em pontos estratégicos nas margens e nos leitos dos rios, para regular a velocidade da água e reproduzir características naturais do ambiente aquático, como nascedouros de peixes.
No rio Gualaxo do Norte, os resultados são vistos na prática. Fernando Aquinoga, diretor técnico da Aplysia, empresa que faz a avaliação e monitoramento ambiental para a Renova, explica que, quando as madeiras são colocadas na água, muda-se a hidrodinâmica do local com uma maior deposição de sedimento na correnteza. A técnica cria condições para que diferentes organismos colonizem aquele ambiente.
“Os grandes objetivos do projeto são aumentar a quantidade de peixes e criar diferentes tipos de ambiente no fundo para serem colonizados por organismos menores, que são a base da cadeia alimentar”, ressalta Aquinoga. Criada no Reino Unido, a técnica foi tropicalizada. Testada em um curso d’água da região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo, a iniciativa promoveu o aumento de 80% de peixes por lá.
No Gualaxo, imagens preliminares já mostram áreas de refúgio de peixes sendo criadas sob as águas. “Quando a gente cria uma área mais calma, propícia para usar de berçário, eles começam a ir para estes locais. Já temos algumas gravações que mostram eles ocupando esse espaço”, pondera Aquinoga. “Essa é uma ação que já está dando resultados. A gente chega nesses ambientes e consegue visualizar os peixinhos que irão ajudar a recompor a fauna da bacia do rio Doce”, completa o diretor de programas da Renova, André de Freitas.
Para viabilizar a implantação dessa técnica que altera o fluxo de água, aumentando ou reduzindo a velocidade da correnteza, foi realizado um estudo de caracterização do impacto ambiental. A renaturalização foi autorizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad).
Startup
Depois de passar pela recuperação dos cursos d’água e retomada da mata ciliar nas margens, uma nova técnica de filtragem deve começar a ser testada ainda este semestre em 110 metros do rio Gualaxo do Norte como solução para reduzir a turbidez da água e possíveis índices elevados de metais.
A tecnologia foi criada por quem conhece bem o local de atuação. Morador de Mariana, o engenheiro civil e técnico em mineração Willian Pessoa teve sua empresa selecionada em um processo conduzido pela Renova que incentiva a inovação tecnológica.
Para além das ações dos resultados da própria recuperação, a escolha pela startup vai ajudar na elaboração de um novo produto que poderá chegar ao mercado.
“Queremos que micro e pequenas empresas, de base tecnológica sustentável, criem produtos que nos ajudem nesse compromisso de reparação, mas que também gerem inovação e conhecimento para o mercado, trazendo novas oportunidades de negócios para elas”, enfatiza Paulo Rocha, líder da frente de economia e inovação da Fundação Renova.
As Estações de Tratamento Natural (ETN) são ilhas flutuantes com raízes de plantas que naturalmente quebram a matéria orgânica e absorvem os metais presentes. O resultado é a redução da turbidez e a melhoria da qualidade da água.
“O sistema vai suavizando o fluxo do rio, fazendo com que os rejeitos fiquem retidos na barreira filtrante, que vai fazendo a biorremediação. Esse sistema favorece que microrganismos façam a degradação da matéria orgânica ou absorvam metais. Nosso foco é o ferro, alumínio e manganês. As plantas absorvem e depois fazemos um processo de manejo, para ser utilizada como subproduto com valor agregado, como artesanato ou adubo verde”, destaca Pessoa.
O projeto-piloto prevê o desvio da água para os tanques laterais onde passarão por etapas de agitação, sedimentação de impurezas e, por fim, a filtragem nas ilhas com as plantas aquáticas. Depois, o volume já filtrado é devolvido ao rio.
O sistema começará a funcionar ainda no segundo semestre deste ano e a expectativa é que a melhoria da qualidade da água já possa ser observada em fevereiro de 2020.
Fonte: O Tempo