terça-feira, 5 de novembro de 2024
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    Fiscalização do setor de mineração sofre com sucateamento e falta de pessoal

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    O número de servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM) vem caindo desde 2010, quando houve o último concurso para preenchimento de vagas. Em 2014, quando a agência tinha 1.022 vagas ocupadas, metade da sua capacidade, uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) já apontava que “o órgão estava na iminência de um colapso administrativo”. Cinco anos depois, o número de servidores do principal órgão de fiscalização mineral do país caiu para 900.

    A falta de pessoal atinge departamentos de fiscalização como a Diretoria de Procedimentos Arrecadatórios (Dipar), responsável por analisar e arrecadar a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), tributo devido por empresas do setor.

    Os principais estados mineradores do Brasil, Minas Gerais e Pará, têm apenas três e quatro fiscais cada um, respectivamente. Em quarto lugar no ranking de estados em volume de produção mineradora, São Paulo não tem fiscalização externa para cobrança de CFEM desde 2014, por causa da falta de servidores.

    Em ofício encaminhado para a CGU em dezembro do ano passado, a Superintendência da ANM em Minas Gerais explica que o efetivo atual para fiscalização é sete vezes menor do que o mínimo necessário para cumprir a demanda do estado.

    “Não há pessoal suficiente para as atividades de fiscalização e cobrança de CFEM nem para as demais receitas. Atualmente, quatro servidores atuam na área de CFEM, sendo que três têm competência de fiscalização e cobrança, e um somente para análises processuais de menor complexidade. Estimamos que a ANM/MG necessita de pelo menos 21 servidores para atuar na fiscalização e cobrança”, diz o ofício.

    Citados em um processo que foi ao plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) em fevereiro deste ano, documentos da área técnica do tribunal expuseram a necessidade de “acréscimo imediato de 30% do efetivo e a contratação de 6% ao ano para suprir a demanda prevista no Plano Nacional de Mineração, que estima a duplicação de produção do setor em 15 anos”.

    Compensação de impactos da mineração

    A maior parte da CFEM é repassada aos municípios que têm produção mineral (60%) e afetados de alguma maneira pelo setor (15%), como cidades onde há linhas férreas construídas para escoamento de minério.

    Por isso, a arrecadação falha afeta principalmente os locais que deveriam se preparar para compensar os impactos ambientais e sociais da atividade mineradora, explica o professor doutor pela Universidade de Heildelberg, Klemens Laschefski, que há mais de 20 anos leciona sobre projetos ambientais relacionados ao setor de mineração na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    O pesquisador alemão também faz um alerta aos gestores municipais sobre o uso desse dinheiro: “A atividade mineradora é finita, então os municípios devem receber a compensação pela exploração para se preparar para esse fim”, afirma.

    “Infelizmente a fiscalização é praticamente inexistente. Também é preciso que as prefeituras gastem melhor quando há o repasse. O que acontece hoje é que a CFEM é usada para despesas normais, então, quando a mineração acaba, a cidade fica sem estrutura para substituir a dependência da exploração”, acrescenta.

    Um exemplo citado por Laschefski é a cidade mineira de Mariana, onde prefeito e outras autoridades pedem o retorno da mineração mesmo após o desastre ambiental de 2015.

    “Não houve reparação do dano causado e ainda se descobriu posteriormente que a lama da Samarco era tóxica, mas as autoridades querem que a empresa volte a operar simplesmente porque não há qualquer opção ou estrutura para fazer a cidade funcionar sem essa atividade econômica”, afirma o professor.

    Autorregulação, sonegação e lavagem de dinheiro

    A ANM utiliza um sistema chamado Cadastro Mineiro, que reúne informações sobre os processos minerários. No entanto, com a falta de servidores para fiscalização externa, na maioria dos casos a própria empresa mineradora preenche espontaneamente os dados de produção, que depois são usados para o cálculo da CFEM. Mas auditorias da CGU realizadas em superintendências regionais mostram que há falhas no sistema.

    “Há dificuldade de se entregar notificações de cobrança aos mineradores pelo fato de que, por muitas vezes, o endereço existente no cadastro mineiro não corresponde ao endereço correto ou encontra-se incompleto”, informa auditoria na ANM em Minas Gerais, publicada em julho de 2019.

    No escritório do Pará, os técnicos da CGU verificaram que muitas empresas informam os dados de forma incorreta, reduzindo o volume de produção mineral para pagar menos CFEM. Em alguns casos, o valor real devido chega a ser o dobro do informado.

    “Especificamente quanto à Gerência Regional da ANM no Estado do Pará, verificou-se que a fiscalização da CFEM vem identificando diferenças significativas, com apuração de débitos superiores a 100% da CFEM recolhida espontaneamente pelos mineradores”, expõe o relatório da auditoria sobre a ANM/PA, publicado em setembro deste ano.

    O processo do TCU sobre a falta de controle indica casos de lavagem de dinheiro, citando operações da Polícia Federal, que encontraram pagamentos de propina a políticos, e a suspeição de sonegação fiscal.

    Para Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico da Associação dos Municípios Mineradores de MG e do Brasil (Amig), casos assim poderiam ser evitados com fiscalização in loco e de forma frequente.

    Em dezembro de 2017, a legislação passou a prever a possibilidade de administrações municipais ajudaram na fiscalização da CFEM, mas a medida ainda não foi regulamentada pela ANM. Esse atraso na elaboração de um manual de fiscalização também aparece nas auditorias da CGU sobre as superintendências regionais.

    “Há casos de estados que simplesmente não têm fiscais. Mesmo em Minas Gerais, temos empresas que beneficiam bilhões em mineração e simplesmente ficam até 15 anos sem uma fiscalização no local. Isso poderia melhorar com a ajuda dos municípios, mas tudo depende do manual de fiscalização, pois os técnicos municipais precisam de orientação sobre o que fazer. Já vamos completar dois anos da mudança da lei e ainda não avançamos nessa questão”, afirma Salvador, que é ex-presidente da Amig e ex-prefeito de Itabirito, município de Minas Gerais que possui atividade mineradora.

    Dólar e cotação do minério de ferro mascaram fiscalização falha

    A lei citada por Salvador é a 13.540, sancionada pelo então presidente Michel Temer no dia 18 de dezembro de 2017. Seu texto modifica as alíquotas a serem aplicadas na cobrança da CFEM, de 3% do valor líquido da produção para uma variação entre 1% e 3,5% da receita bruta de acordo com a substância mineral. O minério de ferro, hoje responsável por mais de 60% da arrecadação de tributos do setor no país, ficou com cobrança de 3,5%, e isso puxou a arrecadação para cima.

    A desvalorização do real frente ao dólar, moeda utilizada para o cálculo do valor de commodities, e o aumento do preço do minério de ferro após o desastre de Brumadinho empurraram ainda mais o total de CFEM arrecadado para recordes históricos em 2018 e 2019, mesmo com uma fiscalização cada vez mais precária por causa da falta de servidores.

    “Commodities têm preço dolarizado, então, quando o dólar aumenta frente ao real, isso é sentido no comércio do setor mineral”, explica Pedro Galdi, analista da consultora financeira Asset Mirae, que tem empresas do ramo de mineração como clientes.

    “Outro fator relevante este ano foi o desastre de Brumadinho. Além da tragédia humana que vitimou centenas de pessoas, houve uma perda 30 milhões de toneladas de ferro que deixaram de ser produzidas anualmente. Isso impactou o mercado internacional. A tonelada de ferro que estava em cerca de 60 dólares no começo do ano chegou a custar 120 dólares. Atualmente, está em pouco mais de 90 dólares.”

    A mudança na alíquota da CFEM aliada ao dólar alto e ao aumento da cotação do minério de ferro podem fazer a arrecadação do tributo superar 4 bilhões de reais em 2019, prevê Salvador. De acordo com a legislação, 7% desse total, ou 280 milhões de reais, pertencem à ANM. Mas o governo usa o dinheiro para outros fins. Em 2018 o orçamento para o órgão ficou em torno de 50 milhões de reais, e a previsão orçamentária para 2020 é de 70 milhões de reais.

    Salvador defende que a ANM tenha direito a mais recursos, pois assim poderia fiscalizar e arrecadar ainda mais tributos. “Várias auditorias realizadas já deixaram claro que se a fiscalização melhorar a arrecadação pode ser bem maior. Então, se a agência tiver mais recursos, ela vai dar retorno à sociedade. O governo não pode mais deixar a fiscalização do setor mineral em segundo plano”, diz o consultor da Amig, associação que reúne 40 municípios brasileiros que representam mais de 90% da produção mineral do país.

    A reportagem da DW tentou entrar em contato com a ANM por e-mail e por telefone, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

    Fonte: G1.

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