domingo, 24 de novembro de 2024
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    Diretriz da campanha de Lula prevê cobrança sobre minérios rentáveis e assusta empresas

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    Medida poderia afetar lucros da Vale, que extrai de Carajás um dos minérios com maior teor de ferro do mundo

    Diretrizes do programa de governo do candidato que lidera a corrida à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preveem a cobrança de uma taxa adicional de mineradoras que atuam em áreas de maior rentabilidade, o que seria uma oportunidade para o Estado arrecadar mais com um setor que, a título de royalties, paga menos no Brasil do que em países como a Austrália.

    Caso Lula eventualmente ganhe as eleições e decida seguir sugestões de especialistas em mineração do PT, o valor adicional aos royalties já pagos pelas companhias poderia ser cobrado na mineração de áreas como Carajás, no Pará.

    Isso potencialmente afetaria lucros da Vale, que extrai de Carajás um dos minérios com maior teor de ferro do mundo e geralmente consegue um prêmio ante o valor de mercado da commodity.

    A implantação de tal cobrança, que enfrenta forte oposição da indústria de mineração, chegou a ser discutida em uma reforma do setor que tramitou no Congresso Nacional ainda no governo petista de Dilma Rousseff.

    Mas ela poderia comprometer investimentos de mineradoras e favorecer os principais concorrentes do Brasil, como Austrália e Canadá, avaliam representantes do setor e especialistas ouvidos pela Reuters.

    A ideia, que ainda está em estudo pelo PT, sem uma decisão fechada, seria implementar uma “participação especial” –além da atual CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), também chamada de royalty– sobre minerais de maior valor, seja por características próprias ou por demanda de mercado, segundo o geólogo Claudio Scliar, um dos membros do Setorial Nacional de Energia e Recursos Minerais do PT, que elaborou o documento.

    A contribuição, diz Scliar, teria natureza semelhante à da participação especial sobre exploração de petróleo e gás, que incide progressivamente sobre as receitas de campos com grandes volumes de produção e entrou em vigor no Brasil em 1997.

    “Um ponto que se acha muito importante é que, da mesma forma que ocorre hoje para o petróleo, na mineração se tenha uma precificação especial”, disse Scliar, à Reuters.

    Dessa forma, no caso do minério de ferro, citado pelo geólogo como exemplo, haveria um novo valor a ser arrecadado pela União além da atual alíquota de 3,5% da CFEM que incide sobre as receitas das vendas no mercado interno e das exportações.

    “Há alguns depósitos minerais com teores excepcionais ou o mercado internacional querendo muito (o mineral). Como o bem mineral pertence à União, então que a União ganhe com isso, com esse valor a mais do minério, em determinadas situações de grande rentabilidade”, disse Scliar.

    Outra mudança proposta pelo grupo setorial do PT, que pode afetar mineradoras, é a alteração da Lei Kandir, de 1997, que isenta do tributo estadual ICMS a exportação de bens naturais não renováveis e pertencentes à União.

    FORTE OPOSIÇÃO

    O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa mineradoras, é “terminantemente contra” a proposta de maiores custos ao setor, segundo o diretor de Relações Institucionais da entidade, Rinaldo Mancin, uma vez que isso pode reduzir o interesse de investidores.

    “Criar uma participação especial sobre a mineração vai afastar os investimentos e fazer a alegria dos nossos concorrentes, especialmente os australianos”, disse Mancin, referindo-se ao maior produtor mundial de minério de ferro e principal fornecedor dos países asiáticos.

    Procurada, a Vale não quis comentar o assunto.

    Já a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM) disse à Reuters, em nota, que a mineração tem características diferentes das do setor de petróleo e que “uma cobrança adicional vai afastar a sua competitividade”.

    Tomás de Paula Pessoa, advogado especialista em direito minerário e ex-diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM) faz avaliação semelhante, dizendo que a cobrança pode até mesmo inviabilizar operações de determinadas mineradoras.

    “A gente está falando de um setor que olha o mundo. Ele olha a geologia mundial e procura estar em países que olham uma estabilidade regulatória, mas que também olham a questão dos custos”, disse Pessoa.

    A própria Austrália, principal concorrente do Brasil no minério de ferro, já tentou implantar ideia semelhante, mas sem sucesso, afirmou à Reuters o geólogo Iran Machado, professor aposentado do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    “Um dos motivos para o insucesso na Austrália é que no caso da mineração existe uma oscilação muito forte nos preços, de forma que uma fase de ‘vacas gordas’ pode dar origem, em seguida, a uma fase de ‘vacas magras’. Os mineradores alegam que seria impraticável instituir essa cobrança na mineração, enquanto para o petróleo, tradicionalmente uma indústria muito mais lucrativa, isso tem funcionado a contento”, disse Machado.

    REVISÃO DA CFEM SERIA ALTERNATIVA?

    Se, por um lado, os especialistas se opõem a uma nova cobrança, por outro admitem que uma revisão da CFEM seria uma alternativa plausível.

    Para Iran Machado, a atual alíquota de 3,5% de royalties sobre o minério de ferro, por exemplo, é muito destoante da de cerca de 7% em vigor na Austrália.

    “Como temos esse desnível entre 3,5% e 7% para a Austrália, acho que minimamente teríamos que elevar a alíquota para 4,5%. Mas será uma batalha porque o lobby vai ‘entrar com tudo’ no Congresso Nacional (para tentar impedir)”, afirmou Machado.

    Para o advogado Tomás Pessoa, no entanto, não se pode comparar apenas as alíquotas de royalties entre os países produtores, uma vez que há outros tributos que incidem ao longo da cadeia de produção, o que demandaria, portanto, a comparação entre os totais das cargas tributárias.

    Faz mais sentido, diz ele, mudar a base de cálculo sobre a qual as alíquotas dos royalties incidem, de forma que seja mais justo para o governo e as mineradoras.

    “Podemos, sim, pensar em um modelo disruptivo em relação ao que está posto. O problema nosso é que o nosso CFEM é sobre o faturamento, o que torna o custo ainda mais excessivo e provavelmente é até repassado na venda. Em outros países, os royalties incidem sobre o lucro. Seria uma forma mais equânime de cobrar esse tipo de royalties”, disse Pessoa, acrescentando que, em caso de a mineradora apresentar prejuízo, o governo poderia instituir uma cobrança mínima da compensação.

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