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O oceano e a sua importância enquanto regulador do clima, tesouro da biodiversidade e garante da vida tardaram em ser reconhecidos pelas instituições nacionais e internacionais que batalham por um mundo mais equilibrado e ecologicamente sustentável. Mas esse tempo passou e, por cá, o mais recente documento voltado para o que temos de fazer pelo oceano e o que podemos retirar dele foi elaborado pelo Ministério do Mar e está em discussão pública até 2 de Novembro.
A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 tem 160 medidas que pretendem responder a dez objectivos em que o conhecimento e a tecnologia atravessam praticamente todos os sectores e em que Combater as Alterações Climáticas e a Poluição e Restaurar os Ecossistemas surge à cabeça de todos eles. Há propostas de investimento na dessalinização, numa frota marítima mais sustentável e também, e talvez a mais polémica de todas, mais uma fresta da porta que se abre à mineração marinha.
O documento está disponível online e vai ser apresentado em sessões agendadas para todo o país. O seu ponto de partida é a constatação de que o oceano é “um dos principais pilares de sustentabilidade do planeta” e os princípios em que assenta são os da “preservação e utilização sustentável dos recursos e serviços dos ecossistemas marinhos em harmonia com o desenvolvimento económico, social e ambiental que se pretende para Portugal até 2030”, escreve-se. Foram delineados dez objectivos estratégicos, construídos a partir do que foram consideradas as forças, fraquezas e oportunidades que o país possui.
Além do objectivo já referido, os restantes passam por áreas diversas como Fomentar o Emprego e a Economia Azul Circular e Sustentável, Descarbonizar a Economia e Promover as Energias Renováveis e Autonomia Energética, Apostar na Garantia da Sustentabilidade e Segurança Alimentar ou Facilitar o Acesso a Água Potável.
É neste último que se enquadra a criação do Roteiro Nacional para a Dessalinização 2030, que será obrigatoriamente acompanhada do “desenvolvimento de tecnologias de dessalinização”, propõe-se no documento, em que se explica que “a frequência e intensidade das secas e [dos] seus danos ambientais e económicos aumentaram drasticamente nos últimos anos”, obrigando-nos a procurar, no médio prazo, “fontes alternativas de água e aumentar a eficiência da sua utilização”.
Algumas das outras medidas propostas passam pela promoção do chamado “green shipping” (com a transição energética a ter de acontecer para o transporte marítimo de mercadorias e pessoas, defende-se), por colocar um novo foco na construção naval nacional, mais centrada “na produção e reconversão de embarcações limpas, com um menor nível de emissões de carbono” e por “reconverter a pesca nacional até 2030 num dos sectores mais sustentáveis e de baixo impacto mundialmente, estimulando a afectação de subsídios à promoção da pesca sustentável”.
Incentivos financeiros
Junta-se a isto a criação de incentivos financeiros sob a forma de vouchers para o “emprego azul” ou a “inovação azul” ou o estabelecimento de “programas de gestão de apanha das macroalgas marinhas” — que podem ter utilizações tão diversas como a alimentação, a fertilização ou a indústria farmacêutica — e estão apresentadas mais algumas das medidas que se pretendem lançar.
Tudo isto está profundamente interligado com a primeira de todas propostas do plano, a concretização do Programa Nacional para o Mapeamento dos Habitats e dos Serviços dos Ecossistemas Marinhos e Costeiros (incluindo medidas de restauro), e também com um objectivo já estabelecido por Portugal, em linha com o que se pretende a nível europeu, e que está, de novo, explanado neste documento: a classificação de, pelo menos, 30% das águas marinhas sob jurisdição nacional e o lançamento da Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas. Esse trabalho irá contar com o apoio de um conjunto de investigadores, liderados por Miguel Bastos Araújo, como foi recentemente vertido para um contrato.
As sugestões, reclamações e propostas que possam ser associadas a este documento do Governo podem ser apresentadas até ao início do próximo mês — incluindo aquelas que se prendam com algumas medidas voltadas para a exploração dos recursos minerais do oceano.
A estratégia prevê o desenvolvimento de tecnologias e a promoção de “estudos para avaliação do impacto ambiental, social e económico de actividades extractivas no mar profundo”, no eixo dedicado a Estimular o Conhecimento Científico, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação Azul.
No documento refere-se que “a exploração de minerais marinhos é vista com legítima preocupação por parte de vários sectores da sociedade”, sobretudo por causa “dos impactos ambientais e patrimoniais que possam resultar do processo de extracção desses recursos”. Contudo, acrescenta-se, “estes recursos incorporam metais (nomeadamente minerais com aplicações em alta tecnologia) que poderão assumir um papel de relevo na acção focada na descarbonização da economia”.
Depois de o ministro do Mar ter dito, em Junho, em entrevista ao Expresso, que não havia “urgência em iniciar a mineração comercial no mar profundo” e que qualquer acção nesse sentido só poderia “ser levada a cabo com conhecimento profundo dos impactos e grande sentido de precaução”, o documento que o seu ministério agora pôs à discussão dá um passo no sentido da obtenção desse conhecimento. “É estratégico para o país avaliar o potencial dos seus recursos, bem como a distribuição espacial de eventuais reservas, promovendo e apoiando a tomada de decisão informada”, lê-se.
Fonte: Público – Portugal