Mineradora formada pelas sócias BHP e Vale retomou produção no fim de 2020, depois de cinco anos “fechada para balanço” e para recuperação socioambiental
Todos os dias desde o fim de 2020 a mineradora Samarco tem extraído mais de 45 mil toneladas de minério da mina de Germano, que fica entre as cidades de Mariana e Ouro Preto, em Minas Gerais. Depois de cinco anos do rompimento da barragem de Fundão, a empresa recuperou as licenças ambientais e investiu em uma nova tecnologia para processar rejeitos do minério de ferro.
O novo método dispensa a construção de barragens, que ficaram ainda mais temidas depois de um segundo desastre, o da mineradora Vale em Brumadinho, no ano de 2019.
Hoje, 26% da operação da Samarco já está em funcionamento e a empresa voltou a embarcar mais uma vez o ferro brasileiro em seu porto no Espírito Santo, aproveitando o momento em que a commodity tem apresentado bons preços neste ano, apesar da queda recente.
Nos últimos cinco anos, a empresa que é controlada pela Vale e pela multinacional BHP Billiton se voltou totalmente para a recuperação social e ambiental da região do vale do Rio Doce e para a construção de assentamentos para famílias dos vilarejos de Bento Rodrigues e Paracatu, que ainda não ficaram prontos, mas não abriu mão de voltar a extrair minério. Para isso, no entanto, ela precisou mudar muita coisa.
Para BHP e Vale, a mineração de ferro pela Samarco sempre foi um investimento com bons retornos. Mesmo com os fortes investimentos necessários para a retomada das licenças, a empresa manteve os cerca de 1.400 funcionários ativos nos últimos cinco anos à espera de voltar a operar.
Segundo o vice-presidente jurídico e de assuntos corporativos da BHP Billiton Brasil, Ivan Apsan, a empresa não deixou de estar comprometida com a retomada das operações da Samarco.
“Hoje, a Samarco opera com grande foco em eficiência, segurança e capacidade de produção, além de continuar focada na reparação. A retomada sustentável das atividades da empresa é parte importante da reparação porque gera empregos, renda e pagamento de tributos. Depois da retomada, a Samarco continua importante para nós, sob o ponto de vista de produtividade mas também como instrumento imprescindível da reparação”, diz.
O rompimento da barragem de Fundão em novembro de 2015 causou 18 mortes, devido a uma avalanche de lama sobre os vilarejos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. Além disso, seu impacto mais significativo foi ambiental, já que a lama chegou ao Rio Doce, que nasce em Minas Gerais e deságua no Espírito Santo.
Foram despejados 62 milhões de metros cúbicos nele. Apesar de não conter substâncias tóxicas, a turbidez da água causada pelo excesso de lama causou a morte de peixes com a falta de oxigenação da água. Durante meses, a água ficou marrom.
A barragem de Fundão guardava os rejeitos da extração de minério de anos em um sistema conhecido como barragem a montante. Nesse modelo, a lama que sai da “lavagem” do minério de ferro extraído da montanha ajuda a formar ela própria a barragem quando seca.
O método é o mais barato e era considerado seguro pelas mineradoras até o rompimento em Mariana em 2015 e, quatro anos depois, em Brumadinho.
Desde 2020, a Política Nacional de Barragens proíbe o licenciamento desse tipo de barragens e determinou até 2022 a descaracterização das existentes. No entanto, elas ainda são 66 no Brasil, cerca de 8% do total do país, segundo a Agência Nacional de Mineração.
Com esse modelo extinto no país, sobram outros três tipos, mais seguros: etapa única, a jusante e linha de centro. No entanto, a tecnologia que a Samarco decidiu não usar nenhum tipo de barragem. Ela filtra o rejeito e reaproveita a água.
Filtros de rejeitos
Para mudar a forma com que lidavam com os rejeitos, as sócias Vale e BHP injetaram 400 milhões de reais só na atualização dos maquinários e para instalar a chamada planta de filtragem.
Agora, depois de acrescentar água à mistura de minério, terra e rochas extraída das montanhas em um equipamento chamado concentrador, o que sobra não é mais despejado indefinidamente na natureza.
A partir do concentrador, saem dois tipos de rejeitos, além do minério de ferro em si que é encaminhado para o porto do Espírito Santo e vendido para o todo o mundo.
Um deles é mais arenoso e corresponde a 80% do que sai. Ele vai direto para um filtro e tem água reaproveitada. A areia que sai dali é empilhada.
Já os outros 20% é uma espécie de lama fina. Esse rejeito não é filtrado e vai para cavas feitas no solo.
“Tivemos que aprender a operar dessa forma porque essa planta de filtragem é tão essencial quanto qualquer etapa do processo. Nós optamos por empilhar o rejeito seco para sempre. Nós já tínhamos a felicidade de usar essa tecnologia no Porto do Espírito Santo. Nós trouxemos inclusive empregados aposentados para ajudar”, explica Reuber Koury, Diretor de Projetos e Sustentabilidade da Samarco.
Segundo ele, nos últimos cinco anos o maior desafio não foi o desenvolvimento da filtragem, mas a certeza da disposição do rejeito arenoso, de que ele ficaria estável no terreno durante a época chuvosa, por exemplo.
Esse processo tem algumas vantagens, além de um risco ambiental e social inexistente comparado às barragens. Com a filtragem, o retorno da água, por exemplo, é muito mais rápido à operação. Antes, como as barragens ficavam distantes dos concentradores, era necessário esperar os rejeitos decantar e bombear essa água de volta.
A principal novidade na mineração da mina de Germano é a criação desse sistema de filtragem para os rejeitos. Todos as outras etapas continuam como eram cinco anos atrás: depois de “limpo”, o minério é encaminhado de Minas Gerais para o Espírito Santo em um minerioduto de 400 quilômetros.
Quando chega às instalações capixabas da Samarco, é filtrado mais uma vez para perder água, aglutinado em pelotas que são esquentadas num forno alto e depois aguardam embarques de navios para diversos países. Das minas de Minas aos pátios do porto capixaba para aguardar o embarque são cerca de três dias.
Hoje, os 26% da operação que a Samarco tem mantido já coloca a empresa num ponto em que ela não precisa mais de aportes dos acionistas e já consegue manter sozinha a Fundação Renova, responsável pela recuperação ambiental e social dos municípios afetados pelo rompimento da barragem em 2016. Os 100% da atividade só devem ser alcançados em 2030.
“Para nós, essa retomada foi planejada de forma gradual. Isso foi fundamental. O segundo ponto foi voltarmos como uma mineração diferente, voltarmos como uma mineração sustentável, sem barragem”, diz Reuber Koury.
A tecnologia de filtragem não é novidade e nem exclusividade da Samarco, mas é a primeira vez que está sendo adotada nesta escala para dar vazão aos rejeitos no Brasil. Nos últimos anos, ela também ganhou eficiência e evolução tecnológica. Há cinco anos, era feito em pequena escala. Para o Diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração, Julio Nery, há dois avanços importantes no processo adotado pela empresa.
“O primeiro destaque do processo é conseguir retirar a água do rejeito permitindo o empilhando seco. Outras empresas já estão investindo nisso também porque o licenciamento de barragens é mais complicado hoje. O segundo é o empilhamento em si. Eles fazem um trabalho muito avançado da pilha de rejeito seco, no empilhamento, o rejeito”, explica.
Rio Doce e assentamentos
Com a licença para operar as minas suspensas, toda a atenção de BHP, Vale e Samarco se voltou nos cinco anos seguintes para indenizações e reparações sociais e ambientais, principalmente por meio da Fundação Renova, criada para ser uma instituição independente para gerir os valores.
Até junho de 2021, a Fundação tinha destinado 14 bilhões de reais para a reparação de pessoas e cidades atingidas em Minas Gerais e no Espírito Santo. Desse valor, 1,7 bilhões foram para indenizações de 328 mil pessoas.
Os outros valores se dividem entre recuperação ambiental do Rio Doce, programas sociais e a construção dos assentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu.
As casas deveriam ter sido entregues em 2018 e 2019 conforme o primeiro cronograma negociado. Com os atrasos, uma decisão judicial fixou o prazo de agosto de 2020. Em função de fatores que provocaram mudanças no projeto, uma nova sentença prorrogou essa data para 27 de fevereiro de 2021, o que não foi seguido.
Ivan Apsan foi presidente do conselho curador da Fundação Renova e reconhece a demora na entrega dos reassentamentos.
“Processos de reassentamento dessa dimensão e complexidade, infelizmente, levam mais tempo do que gostaríamos. É totalmente compreensível que quando há um rompimento como o que tivemos e um impacto como tivemos, haja uma pressão e uma expectativa para que o reassentamento seja entregue o mais rápido possível – compreendemos que ninguém queira esperar”, pondera.
Ivan ressalta também que o reassentamento é uma das principais prioridades do processo de reparação e que a Fundação Renova está dedicada a agilizar as entregas e garantir os direitos dos atingidos.
Entre os motivos da demora estão a escolha do terreno dos assentamentos pelos atingidos, que demorou cerca de um ano, o licenciamento ambiental, negociações com proprietários dos terrenos locais e alterações na legislação do município de Mariana. Com isso, as obras começaram depois de três anos. A previsão é que os dois assentamentos tenham as primeiras casas entregues em 2022.
Fonte: Exame