Um dos maiores problemas do imperialismo europeu na África foi a bagunça que as potências deixaram quando foram embora. Os países recém-independentes tinham pouca estrutura para se governarem sozinhos, além de serem delimitados por fronteiras que os europeus criaram de qualquer jeito, pelos seus próprios interesses.
Por isso, diversos países africanos sofreram com guerras civis, ditaduras e são pobres até hoje. Mas há uma exceção nesse contexto: a independência e os primeiros anos de Botsuana, sob a liderança de Seretse Khama.
Um início desafiador
Seretse Khama era um dos poucos homens educados do país, com estudos no Reino Unido, e foi um dos líderes da independência de Botsuana, aprovada pelo governo britânico em 1966. As primeiras eleições já tiveram voto universal e ele foi eleito presidente.
Mas a situação que ele pegou em suas mãos não foi fácil: o país era o terceiro mais pobre do mundo, apenas 22 pessoas com curso superior e 100 com ensino médio em uma população de 500 mil pessoas. Para lidar com isso, Khama fez três escolhas muito inteligentes:
- aproveitou os recursos naturais do país;
- fez escolhas práticas na economia e política, não ideológicas;
- manteve a democracia e os direitos civis;
Começando pela primeira escolha, uma das poucas riquezas de Botsuana são suas minas de metais preciosos. Sem ferramentas para extraí-los, o governo Khama pegou empréstimos do FMI, que foram pagos com a exportação das pedras. Foi criado um acordo de livre comércio com a Europa e um modelo de parcerias público-privadas para as minas.
Isso injetou muito dinheiro em Botsuana — que tinha a economia de maior crescimento do mundo, na época. Com 50% da receita vindo das minas, o governo manteve impostos baixos, estimulando investimentos externos. O dinheiro da mineração ia para saúde e educação, dois grandes problemas do país.
Isso se relaciona com a segunda estratégia de Seretse Khama. Por mais que ele tenha sofrido pressão para colocar botsuanenses no governo, ele sabia que seu povo não tinha educação o suficiente para governar um país. Então, ele manteve os funcionários britânicos da colônia, até ter pessoas capacitadas para substituí-las.
Aclamação popular e inimigos externos
Sendo um líder tão sólido a frente do país, Seretse Khama poderia ter tomado o caminho de outros governantes e não largar a cadeira presidencial. Mas Botsuana manteve suas eleições e, em 1969, Khama foi reeleito com quase 70% dos votos. Ele ganharia mais dois pleitos com votações ainda maiores: 75% em 1974 e 75% em 1979.
Manter a democracia foi a terceira escolha inteligente do líder, já que Botsuana tem uma das situações mais estáveis da África na política. O partido de Khama ganhou todas as eleições desde então e até seu filho foi presidente de 2008 a 2018. Contudo, existe oposição e esta concorre às eleições, sempre garantindo algumas cadeiras no parlamento. Botsuana é visto como o país menos corrupto da África pela Anistia Internacional.
Mesmo com esse legado, nem todo mundo gostava de Khama — em especial, governantes racistas da Rodésia e da África do Sul, na época do apartheid. Grupos dos dois países vizinhos começaram a atacar Botsuana, obrigando Khama a criar as Forças Armadas, em 1977. Além de ser um governante negro em meio a dois países com políticas racistas, ele também era casado com uma mulher branca, Ruth Williams.
Um casamento de cinema
Na verdade, o casamento com uma branca não foi bem aceito nem pela família dele. Acontece que Khama era descendente de uma família real do antigo trono da Bechuanalândia — e seus parentes esperavam que ele casasse com uma moça de seu povo. No final, todos tiveram que aceitar Ruth como a primeira-dama de Botsuana e mãe de outro futuro presidente.
A história dos dois é retratada no filme Um Reino Unido, com David Oyelowo e Rosamund Pike nos papéis principais. Por mais que o país tenha seus problemas — a AIDS e a dependência da mineração, por exemplo — Khama é lembrado como um dos melhores líderes africanos.
Fonte: Mega Curioso