Pela foto, parece um caminhão de brinquedo, laranja-vivo e sem cabine, no meio do que parece uma caixa de areia. Na verdade, é tudo bem maior – e a brincadeira é séria. Trata-se do Scania AXL, um protótipo de caminhão de mineração sem motorista. Com ele, a marca sueca – parte do Grupo Volkswagen, terceiro maior fabricante de caminhões do mundo e vice-líder entre os carros de passeio – estreia o uso comercial de seus veículos autônomos.
Em áreas fechadas ao trânsito e em parceria com empresas, como a mineradora australiana Rio Tinto, o automóvel sem motorista faz sua transição dos laboratórios para o mundo real.
Foi o caminho que a empresa encontrou ao constatar que a discussão com governos, em torno de novas leis de trânsito e normas técnicas, se tornou um atoleiro. “Há pouco tempo, mudamos o foco para a industrialização de caminhões autônomos para áreas fechadas”, afirma a Época NEGÓCIOS Håkan Schildt, vice-presidente global de Soluções Autônomas da Scania.
“Provavelmente, [o veículo autônomo nas ruas] ficará mais para 2030, mais tarde do que a gente esperava pouco tempo atrás”, diz Tony Sandberg, diretor global de pesquisa e inovação da marca, na entrevista a seguir.
Qual é a proposta do AXL, que a Scania apresentou em setembro?
Håkan Schildt — É um protótipo de caminhão que fizemos para mineração. Ele usa a estrutura modular dos demais modelos da marca, então pode ser adaptado a outras propostas – como uma carreta para as estradas, por exemplo. Mais do que fabricar em larga escala, queremos mostrar para que direção estamos indo.
Quanto tempo falta para os caminhões autônomos serem vendidos em larga escala?
Tony Sandberg — É importante calibrar as expectativas. Nós somos tecnicamente capazes de fabricar um caminhão autônomo, mas isso não significa lançar no mercado tão cedo. Vai levar um bom tempo ainda. Precisamos desenvolver o sistema de condução autônoma para lidar com diferentes condições de rodagem. Esse é um bom motivo para começarmos com um modelo voltado à mineração. Em ambientes fechados, como o de uma mineradora, podemos facilitar o trabalho do sistema de condução e não depender do avanço das leis de trânsito locais. Podemos atuar em aeroportos, minas, fábricas, centros de distribuição…
O que falta para os caminhões autônomos chegarem às ruas?
Håkan Schildt — Passamos uma década desenvolvendo a condução autônoma no trânsito. Há pouco tempo, mudamos o foco para a industrialização de caminhões autônomos para áreas fechadas. É o que estamos fazendo agora. Quando essa atividade estiver madura, passaremos a áreas abertas sem tantas variáveis, como em estradas. Só depois disso passaremos ao trânsito em áreas urbanas.
Quando um caminhão totalmente autônomo será capaz de rodar em qualquer lugar?
Tony Sandberg — Essa é a pergunta de US$ 1 milhão. Provavelmente, ficará mais para 2030, mais tarde do que a gente esperava pouco tempo atrás. Já desenvolvemos bastante a tecnologia, mas falta muito para os governos autorizarem o trânsito dessas máquinas. Não sabemos sequer os critérios para a autorização… Há um longo caminho.
Quais empresas são parceiras da Scania, e investiram para ter carros autônomos rodando dentro de suas instalações?
Håkan Schildt — Daqui a um ano, poderemos falar abertamente. Dentro de cinco anos, pretendemos ganhar escala. Por enquanto podemos falar da parceria de caminhões com a mineradora Rio Tinto e, em ônibus com a Nobina, operadora de transporte na Suécia.
Como vocês avaliam os resultados até agora?
Håkan Schildt — Muito promissores. A tecnologia parece estável o bastante para começarmos a ampliar a experiência. Ainda assim, sabemos que vai levar tempo. Mais do que entregar um veículo autônomo, precisamos trabalhar na integração com o ambiente onde ele vai circular, com os funcionários da empresa… A sociedade geralmente subestima a necessidade de adaptar o entorno de um veículo autônomo.
Por que adaptar o entorno de um caminhão autônomo é mais importante do que as pessoas pensam?
Tony Sandberg — Por questões de segurança e para aproveitar melhor o potencial de um caminhão autônomo. Investir nessa tecnologia apenas para dispensar um motorista é pensar pequeno e desperdiçar recursos. Podemos e devemos redefinir a maneira de transportar.
Como o caminhão autônomo pode mudar a maneira de transportar?
Håkan Schildt — A logística atual é, compreensivelmente, organizada em torno do motorista. Por exemplo: a maior parte do transporte hoje é feita durante o dia. Estamos desperdiçando parte do tempo, porque dirigir à noite é mais difícil para as pessoas. Com intervalos para descanso e demora para carga e descarga, a velocidade média do transporte está em torno de 35 km/h. Podemos acelerar muito a logística, com ganhos para toda a sociedade.
O Grupo Volkswagen, do qual a Scania faz parte, diz que o futuro pertence aos veículos elétricos. Mesmo assim, o caminhão conceito AXL usa motor a combustão. Por quê?
Tony Sandberg — Por vários motivos. Fizemos esse caminhão autônomo a partir do modelo atual, que tem motor a combustão. É uma solução mais conveniente para regiões sem acesso a eletricidade e que demandam grande autonomia – ainda um problema para as baterias atuais. Também temos um protótipo de ônibus urbano elétrico, o NXT. Quando for interessante, juntaremos as duas tecnologias.
Håkan Schildt — A Scania acredita no futuro da eletrificação, mas, para o transporte pesado, a tecnologia atual de baterias ainda não é a melhor solução. Somos muito preocupados com a sustentabilidade financeira dos nossos clientes. Pelos próximos dez ou quinze anos, os caminhões a diesel continuarão com o menor custo de operação.
Quanto esses caminhões autônomos e elétricos estão distantes do Brasil?
Håkan Schildt — Estamos olhando para o mercado brasileiro, especificamente, e para a América Latina. Quando teremos um esforço mais concentrado na região? Acho que nos próximos cinco anos você verá resultados.
Fonte: ÉPOCA Negócios