segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
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    Argentina, Bolívia e Chile terão boom na extração de lítio. Será sustentável?

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    Países do Triângulo de Lítio podem ter benefícios se reforçarem transparência, participação pública e responsabilidade de investidores

    cenário global do financiamento de energia — e da mineração de lítio na América Latina — mudou na semana passada quando o presidente chinês Xi anunciou que seu país “intensificaria o apoio a outros países emergentes no desenvolvimento de energia verde e de baixo carbono”, ao mesmo tempo em que se comprometeu a acabar com o apoio às usinas elétricas a carvão no exterior.

    A demanda por energia renovável já existe: países em desenvolvimento em todo o mundo propuseram 494 gigawatts em projetos de energia renovável por meio de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, em inglês) para o Acordo de Paris. Somente na América Latina e no Caribe, os analistas do setor preveem um boom em energias renováveis, com previsão de que a capacidade instalada mais que dobrará nos próximos anos.

    Você sabia?

    Argentina, Bolívia e Chile guardam os maiores depósitos de lítio do mundo e por isso são descritos como países do triângulo do lítio

    Dado o papel da China como um grande produtor de tecnologias renováveis, isso também provocará um aumento gradual em sua demanda por lítio, um mineral necessário para armazenar a energia de fontes intermitentes como eólica e solar.

    Argentina, Bolívia e Chile guardam os maiores depósitos de lítio do mundo e por isso são descritos como países do triângulo do lítio (LTCs, em inglês). A China já demonstrou grande interesse nos três LTCs e um rápido aumento da demanda de importação do mineral.

    Para gerir com sucesso o iminente aumento na demanda de lítio, os governos dos LTCs terão de equilibrar potenciais lucros com as questões ambientais e sociais do setor. Por exemplo, cada tonelada de lítio extraída demanda até dois milhões de litros d’água, o que pode esgotar os recursos hídricos subterrâneos em uma região que já sofre com a escassez d’água e impactar gravemente ecossistemas frágeis.

    A gestão responsável da água será fundamental para assegurar que as comunidades locais — que usam o recurso natural para sua subsistência — usufruam dos benefícios dos novos investimentos.

    Argentina, Bolívia e Chile podem aprender com a iniciativa chinesa de minerar cobre no Peru e construir instituições internas mais robustas

    Durante o recente aumento dos investimentos da mineração chinesa na América Latina, os relativamente jovens ministérios do meio ambiente da região desenvolveram rapidamente sua capacidade de gerir os riscos intrínsecos à atividade. As lições dessa atividade são cruciais e podem ser aplicadas em outros setores, como nos LTCs, de forma a trazerem benefícios mútuos para os atores envolvidos.

    Como destaca nossa recente publicação, Argentina, Bolívia e Chile podem aprender com a iniciativa chinesa de minerar cobre no Peru e construir instituições internas mais robustas para facilitar as consultas com as populações locais afetadas pela extração de lítio.

    Para isso, os LTCs e a China enfrentam três desafios principais. Em primeiro lugar, os LTCs devem continuar a desenvolver instituições capazes de gerir as diversas partes interessadas, os complexos desafios ambientais e os investidores estrangeiros não-familiarizados com o contexto local. Essas instituições devem enfatizar a transparência, assegurando que todas as partes afetadas sejam incluídas nas decisões desde as primeiras etapas do planejamento.

    Lições da mineração no Peru para a extração de lítio

    Investidores chineses estão na mineração do Peru desde 1992. Mas sua capacidade institucional foi construída em paralelo com o crescente investimento chinês no setor.

    Embora o Peru tenha assinado um acordo internacional em 1989, garantindo às populações indígenas o direito de “consulta prévia” sobre projetos com potencial impacto ambiental, dois dos maiores investimentos minerários chineses no país enfrentam longos conflitos com as populações locais devido, em parte, à falta de transparência e inclusão nas decisões.

    Em 2007, a multinacional chinesa Zijin comprou a mina de cobre Rio Blanco, na região norte de Piura, no Peru, mas o projeto continua empacado quase 15 anos depois, devido à forte oposição das comunidades agrícolas. Em 2014, o consórcio chinês liderado pela Minerals and Metals Group (MMG) pagou mais de US$ 7 bilhões na mina Las Bambas, no sul do país. Embora esteja entre as minas mais produtivas do Peru, as comunidades continuam a levantar preocupações sociais e ambientais sobre o projeto.

    O Ministério do Meio Ambiente do Peru foi criado em 2008, em meio ao aumento dos investimentos chineses na mineração, após a compra de Rio Blanco. Essa construção institucional reativa limitou sua capacidade de consulta prévia e mitigação de danos ambientais.

    Desafio para ministérios jovens

    Como no Peru, os ministérios do meio ambiente dos LTCs são jovens e vão enfrentar desafios semelhantes na próxima onda de investimentos de lítio. No entanto, com a introdução de regulamentações ambientais internacionais mais fortes, os LTCs têm vantagens. Ainda assim, eles ainda devem implementar reformas para aumentar a transparência, participação e responsabilidade dos atores.

    2008

    Foi o ano de criação do Ministério do Meio Ambiente do Peru

    Em segundo lugar,  existe o Acordo de Escazú. Esse tratado internacional foi assinado por 24 nações da América Latina e do Caribe e garante o direito à informação e participação pública  e requer justiça ambiental e um ambiente saudável e sustentável para as gerações atuais e futuras. Ele exige que países vão além da consulta prévia e envolva os atores mais cedo no processo, proporcionando-lhes mais agilidade para moldar os resultados dos projetos. O tratado entrou em vigor em abril de 2021, portanto seus efeitos ainda não apareceram plenamente.

    Enquanto a Argentina e a Bolívia já ratificaram o acordo, o Chile ainda não o assinou, e o Peru é apenas um signatário do Escazú. Portanto, até que Chile e Peru também ratifiquem o tratado, as comunidades locais e as populações indígenas da Argentina e Bolívia gozarão de direitos legais muito mais amplos à informação, participação e justiça ambiental.

    Finalmente, a China deve cumprir seus compromissos e proteger especialmente povos indígenas e outras populações vulneráveis de potenciais impactos. A coexistência bem-sucedida com as comunidades locais exigirá sua inclusão no planejamento e gestão dos projetos, bem como na partilha de benefícios econômicos dos investimentos de lítio.

    Os governos dos LTCs devem garantir que os investidores chineses cumpram com as promessas de proteção ambiental e social

    A China assegurou à ONU e à comunidade internacional que vai implementar novos parâmetros de due diligence na proteção ambiental e social, especialmente em suas empresas que operam em zonas propensas a conflitos. Os governos dos LTCs devem garantir que os investidores chineses cumpram com essas promessas, e a atenção internacional pode ser um importante motivo para o cumprimento.

    Se o processo for gerenciado adequadamente, as peças estarão no lugar para que todos os interessados na mineração de lítio dos LTCs se beneficiem de um próximo boom. As comunidades locais, e especialmente os grupos historicamente excluídos, como os povos indígenas, terão mais acesso e participação nos processos de decisão. Maior transparência e responsabilidade podem ajudar a prevenir graves danos ambientais e conflitos nas áreas de influência. E os governos dos LTCs e investidores chineses provavelmente também se beneficiarão financeiramente de resultados mais sustentáveis e pacíficos.

    Em última análise, perceber esses benefícios exigirá a concretização de amplos compromissos de transparência, inclusão e responsabilização de todas as partes.

     

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