BRASÍLIA – Liberar a mineração na Amazônia Legal, discussão que se dá há meses pelo governo por determinação do presidente Jair Bolsonaro, tem potencial para reduzir a parcela da região em que hoje é permitido a prática da atividade. Somadas as florestas de proteção integral e as terras indígenas, em 40% do território é proibido a exploração da mineração, como o garimpo.
Dos 521 milhões de hectares que compõem toda a Amazônia Legal, 94 milhões de hectares são áreas de proteção integral, um território equivalente a duas vezes o Estado de Minas Gerais e que corresponde a 18% de toda a área. Outros 115 milhões de hectares são terras indígenas já demarcadas, o que corresponde a 22% de toda a região.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, já anunciou que está em análise na Casa Civil a proposta do governo federal para regulamentar atividades econômicas, como mineração e agricultura, em terras indígenas.
A análise, feita a pedido do Estado pela consultoria Jazida, se baseia em dados oficiais do governo e atualizados até outubro. O levantamento se baseou na área da chamada Amazônia Legal, que abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além de parte do Maranhão. Confira o mapa:
A restrição legal, porém, não inibe as empresas de registrarem oficialmente quais são as suas áreas de interesse. Hoje há 353 pedidos ativos para pesquisa ou exploração mineral dentro das delimitações de florestas com proteção integral. Juntos, esses processos englobam uma área de 797 mil hectares, o equivalente a 0,85% das unidades protegidas.
O interesse se intensifica sobre as terras indígenas. Existem hoje 3.212 processos ativos de atividades minerais previstas dentro das terras indígenas da Amazônia Legal. Esses pedidos envolvem uma área total de 24 milhões de hectares, o equivalente a 21% de todo o território indígena da Amazônia Legal.
Quando se contrapõem as áreas de interesse mineral com o mapa das florestas protegidas e áreas indígenas, nota-se que grande parte do interesse exploratório se concentra nos Estados do Pará, Amapá e Roraima. O Estado do Amazonas, maior da região, passa longe dos interesses minerários quando o tema em questão são os metais nobres.
Os dados compilados pela consultoria Jazida também revelam que, nas unidades de conservação classificadas como de “uso sustentável” – onde é possível realizar atividades de mineração, desde que a área tenha plano de manejo, um estudo que diz onde e o que pode ser explorado – estão concentrados 11.194 processos de exploração mineral ativos. O problema é que a maior parte dessas florestas de uso sustentável não possui seu plano de manejo. Dentro da Amazônia Legal há 79 milhões de hectares de áreas de uso sustentável, o equivalente a 14% de toda a região.
Se somados todos os pedidos de pesquisa e exploração mineral em terras indígenas, florestas de proteção integral e aquelas de uso sustentável, chega-se a um total de 14.759 processos minerais ativos. A área total que é alvo desses pedidos chega a 37.797 milhões de hectares, 7% de todo o território protegido da Amazônia Legal.
Vale domina
Os garimpos ilegais que surgem na Amazônia não são os únicos interessados em extrair ouro do subsolo de terras indígenas demarcadas, atividade que é proibida por lei. Centenas de empresas do setor mineral, nacionais e estrangeiras, são donas de nada menos que 3.212 projetos para estudos e exploração mineral dentro dessas áreas demarcadas. Cada um desses projetos está em análise na Agência Nacional de Mineração (ANM), para que seja autorizado ou rejeitado.
A Vale, tradicionalmente reconhecida pelos empreendimentos ligados à extração de ferro, é uma das maiores interessadas em explorar ouro dentro das terras indígenas. A mineradora brasileira possui 76 processos minerários ativos para exploração de ouro na Amazônia Legal, se contabilizados apenas aqueles que têm inferência direta em terras demarcadas.
A informação foi confirmada ao Estado pela própria mineradora. A Vale declarou que se trata de “processos minerários ativos”, mas que “não realiza qualquer atividade de estudo de pesquisa ou lavra de qualquer natureza nestas áreas”. A mineradora afirmou que “segue rigorosamente a lei que rege o aproveitamento dos recursos minerais no país”.
Na prática, o que existe hoje dentro da Agência Nacional de Mineração (ANM) é uma pilha de projetos ativos para exploração de ouro em terras indígenas. Grandes empresas, como a Vale, aguardam mudanças na lei para que possam entrar nos territórios demarcados.
O presidente Jair Bolsonaro já disse reiteradas vezes que vai abrir essas áreas para exploração mineral. No mês passado, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o governo está em fase final de elaboração da proposta que regulamenta o garimpo no País, inclusive dentro de terras indígenas. O tema é controverso e, a rigor, tem que passar pelo crivo do Congresso Nacional, porque se trata de alterar itens da Constituição.
Dentro do banco de dados da Agência Nacional de Mineração, o número total de processos ativos da Vale para exploração de minerais nobres somam mais de 200 registros na chamada Amazônia Legal, área que engloba nove Estados do Brasil pertencentes à bacia Amazônica. A mineradora, no entanto, afirma que, em vários casos, já desistiu ou repassou parte desses projetos para outros titulares, mas a agência ainda não concluiu esses trâmites em seu banco de dados.
A reportagem questionou a ANM sobre as razões de a agência aceitar pedidos de exploração de ouro em terras indígenas que já foram demarcadas, situação completamente irregular. O órgão também foi perguntado sobre a razão de não cancelar esses processos.
Por meio de sua assessoria, a agência vinculada ao MME informou que o fato de receber um processo de uma empresa não significa que ele será aprovado. A ANM declarou também que tem suspendido a liberação de títulos nestas áreas, mesmo em fases iniciais do processo de demarcação da terra, o que é feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Fonte: Terra